quarta-feira, 19 de março de 2008

O Pacto e sua Conseqüência Social

Esta postagem foi revisada no dia 19 e abril de 2008, após a contribuição do leitor Fernando Trevisan - http://fernandotrevisan.com.br/

É difícil ou mesmo impossível que todas as histórias sobre pactos com demônios tenham absolutamente as mesmas características, do contrário seriam cópias umas das outras. Do mesmo modo, são tantas as variações colocadas nesse mito que enumerar e comentar cada uma delas seria bem difícil. Contudo, embora certas características não façam parte de cada uma das versões já inventadas para o mito, elas comparecem em um número razoável para serem levadas em consideração.


Um pequeno e significante grupo de histórias mostra isso de forma interessante: Fausto de Goethe, A Maravilhosa História de Peter Schlemihl de Chamisso e Crime e Castigo de Dostoiévski. Não pretendo pensar nas possíveis influências que uma obra poderia ter tido sobre a outra, o que seria bem difícil nesse espaço, mas só olhar algumas coisas que podemos perceber quando lemos.


Nas três histórias, uma personagem tem contato com uma situação de caráter profano e, a partir dessa ação, vê seu destino alterado completamente. Esse conflito interno seria suficiente para dar base aos enredos, contudo, não é isso o que acontece. A ação das personagens não somente gera uma convulsão dentro delas mesmas, mas joga-as para outros lados que ultrapassam o espaço individual.


Image:Walpurgisnacht.jpg
Kupferstich von W. Jury, depois de Johann Heinrich Ramberg - Walpurgisnachtszene aus Faust 1 (1829)
Fausto entre bruxas, demônios e outros seres marginais na cena "Noite de Valpúrgis"

Em Fausto, logo que cerra o acordo com Mefisto, a personagem sai da realidade comum da cidade em que vivia (com jovens, moças, velhas e camponeses) e vai para outra, onde reinam todo o tipo de figuras marginais e subversivas: bruxas, demônios, fantasmas etc. O auge dessa relação é a famosa cena da "Noite de Valpúrgis" quando Fausto participa do que seria o maior festival de bruxas. Também, pela relação com demônio é levado (mesmo que involuntariamente) a causar a perdição da jovem Margarida (a quem desvirgina) e ao assassinato da mãe e do irmão desta. Posteriormente, na segunda parte da tragédia, saindo desse choque com a “pequena” sociedade, Mefisto carrega Fausto também para o lugar da alta política (a corte do Imperador) onde, por sua ação, milhares de convulsões acontecem: fome, guerras civis etc.


Já em A Maravilhosa História de Peter Schlemihl a personagem que dá nome ao livro dá sua sombra a um misterioso sujeito vestido de cinza em troca de uma bolsa que tem infinitas moedas de ouro. Aqui, diferentemente de Fausto, a personagem não chega a cometer crimes ou partilhar a companhia de criaturas demoníacas, mas estranhamente sua própria condição o afasta do meio do qual gostaria de participar. O fato de ser um homem sem sombra causa horror e desprezo nas outras pessoas e a personagem é “condenada” a jamais ter o contato social novamente. O que a sombra representa realmente ainda é muito debatido, apesar disso, uma coisa parece provável: a personagem perde o que tudo na sociedade e natureza possui - a sombra - e dessa forma é apartado e levado à solidão plena.


Finalmente, na mais diferente das três obras, Crime e Castigo, o miserável estudante Raskolnikóv resolve cometer um ato e, através dele, tornar-se um homem extraordinário, igualável a Napoleão. Ele resolve assassinar uma ávara usurária e, através desse ato, passar por cima da moralidade daqueles que considera “pusilânimes” e “ordinários”, pactuando com uma ética superior. No entanto, durante o ato, Raskolnikóv acaba por matar também a inocente irmã da usurária, que testemunha o crime, e, desde o duplo assassinato, passa a ser consumido pela culpa e pelo medo de ser descoberto. Ele coloca-se então numa situação de choque com a ordem, representada pelo policial Porfíri. Participa também da realidade de toda sorte indivíduos marginalizados, não demônios como em Fausto, mas prostitutas, bêbados e miseráveis.


São três enredos com motivos e objetivos diferentes, é evidente, como exemplo, poderíamos observar que Fausto jamais atinge tamanho grau de culpa e auto-crítica como Schlemihl e Raskolnikóv. Contudo, uma coisa fica bastante clara: em algumas histórias (algumas das mais importantes do “gênero”) o pacto – com uma entidade, idéia ou ato profanos – não parece apenas gerar problema para a consciência e salvação individual daquele que o realiza, mas também tem o caráter de uma energia poderosa o suficiente para arrastá-lo com força contra as estruturas da sociedade, levá-lo aos limites da ordem da qual ele participa ou mesmo lança-lo acima desta, colocando em suas mãos o caminho de toda a humanidade.


TADEU COSTA ANDRADE,
é estudante do curso de
Letras na FFLCH - USP

5 comentários:

Fernando S. Trevisan disse...

"Também, pela relação com demônio é levado (mesmo que involuntariamente) a causar à perdição da jovem Margarida (a quem desvirgina) e ao assassinato da mãe do irmão desta."

Afinal, se o assassinato é da mãe do irmão, não era mais fácil escrever "e ao assassinato da mãe"? Afinal, se é a mãe do irmão, é mãe dela tb... pra que complicar?

Outra:

"a personagem perde o que tudo na sociedade e natureza possui, sombra, e dessa forma é apartado e levado a solidão plena."

Por que não?

"a personagem perde aquilo que tudo ao seu redor naturalmente possui - a sombra - e dessa forma..."

Sei lá, pra que escrever complicado assim? Pra mostrar que você é da FFLCH? Que você tá no topo fodão da academia?

Pra mim é um artigo com uma idéia interessante e uma conclusão ótima, porém terrivelmente mal escrito.

E, desde já deixo claro, considero que eu escrevo muito mal. Mas consigo perceber quem escreve pior ainda...

Luiz Falcão disse...

Olá Fernando.

Não conversei com o Taeu ainda sobre ses apontamentos, então vou expor meu ponto de vista muito pessoal.

Peço que avalie melhor um texto quando houver um preconceito anterior ao próprio texo. Me parece que foi isso que aconteceu (e desculpe-me se eu estiver errado)

O fato de o Tadeu estudar na FFLCH sem dúvida tem influência em seu modo e escrita e inclusive nas características que ele observou nessas obras, nas motivações para escrever o texto (e etc.), mas de modo nenhum isso quer dizer que ele seja de qualquer forma arrogante ou esnobe como você sugeriu.

Aliás, o Tadeu é, até onde eu posso perceber, a pessoa mais humilde, sensata e comedida que eu conheço.

Se existe uma linguagem "rebuscada", na certa é influência do tipo e texto que ele está acostumado a escrever para a faculdade dele. Não só está acostumado como, provavelmente, o tipo de texto que o agrada. O Tadeu optou pela carreira acadêmica, é perfeitamente cabível que ele escreva assim. Mas veja: não por um tipo de orgulho, mas por hábito, gosto e facilidade de linguagem.

Vejo que querer que ele escreva numa linguagem menos "rebuscada" como eu, por exemplo, escrevo (aliás, eu acho que escrevo muito pior do que ele... com idéias esorganizadas e tudo mais) é o mesmo o que, em outro contexto, querer que eu, ou outro cronista/articulista/repórter qaulqer escreva de uma maneira muito acadêmica. Seria uma imposição. Acho que há espaço para todos.

Como você disse, o que o Tadeu aponta neste texto é muito interessante.

Quanto aos excessos a que você se referiu, eles são - observe bem - erros de digitação. (por isso disse que você deve ter um preconceito contra quem estuda na FFLCH, ou é acadêmico, ou etc...).

Fausto mata a mãe E o irmão de Margarida (ele "comeu" a letra "E"). Entre vírgulas, a palavra sombra deveria ser acompanhada de um a: "a sombra". Como você sugeriu, entre travessões a frase ficaria mais inteligível - estou certo que o Tadeu consentiria. Ele mesmo não se julga de modo algum um exímio escritor (acho que é bom que isso fique claro).

Repare que o texto está cheio de erros: "qaundo", vírgulas erradas, em excesso ou faltando, outro erros de digitação, etc.

O que faltou ao texto foi apenas uma revisão. Não é legal colocarmos o texto sem revisão no Blog, eu sei.

Como você tocou num ponto pessoal (e nós lhe damos essa abertura, sem problemas, esse tipo de troca é bacana) ao perguntar se haveria alguma arrogância no modo do tadeu escrever o texto, eu vou dar uma geral do grupo. Para que a gente entenda esse lado pessoal também.

Todos nós trabalhamos (o Tadeu, especificamente, não tem um emprego, ele estuda mais de 16 horas por dia, fazendo o curso normal de letras + matérias complementares + grupos de estudos diversos + estudos e leituras complementares...). Temos todos cerca de 20 anos e estamos fazendo faculdades (em geral cursos acadêmicos e não "apenas" profissionalizantes: filosofia, artes plásticas, letras, história, pedagogia, etc). Além disso procuramos desenvolver as discussões em reuniões, o blog e o fanzine impresso - além de comparecer a eventos relacionados, fazer leituras relacionadas, etc. Alguns membros, apesar da pouca idade, moram sozinhos, tem que pagar aluguel, fazer as compras do mês... sabe como é.

Não estou reclamando, nem tentando arranjar uma desculpa, mas sendo sincero ao evidenciar os motivos. Para mim, conseguir publicar um texto deste nível que o tadeu publicou no Blog é mais que um mérito. MESMO sem a (muito bem vinda) revisão.

Acho que posso pedir desculpas em nome do grupo por este aspecto de desleixo que pode aparentar um texto não-revisado. Mas acredite, não há qualquer tipo de desleixo.

Há muito empenho e força de vontade.

Por fim, gostaria de agradecer muito a você pelas as observações que você fez e principalmente por nos lembrar que, apesar da correria, seria bom fazermos um esforço ainda maior para trazer o blog sempre nos "Trinks" (o Leandro Fernandes vive avisando a gente disso, mas às vezes a peteca cai mesmo).

Obrigado pela atenção e tempo que você tem dedicado as leituras de nossas produções.

Espero que continue visitando o Blog e nos dando esses toques.

Vou tentar revisar o texto para o Tadeu amanhã. Valeu pelo toque (acima de tudo).

Abraços
Luiz

Fernando S. Trevisan disse...

Luiz,

Então eu peço desculpas - à você e ao Tadeu.

Por que a impressão que eu tinha era de um texto desnecessariamente rebuscado e não de erros de revisão. Depois do meu comentário uma amiga lançou a possibilidade em uma conversa via msn, mas aí, já era tarde.

Note que não estou, necessariamente, indo contra textos rebuscados. Embora particularmente eu advogue por uma escrita mais simples, sei bem que o meu próprio "jeito de escrever" não é assim tão simples e que não é fácil para as pessoas que estão na academia conseguirem se "desvencilhar", mesmo que busquem isso, do estilo acadêmico.

Porém, em minha defesa, digo que só vi que o Tadeu era FFLCH e tal ao terminar de ler o texto. Não foi um "pré-conceito", antes de saber eu já estava triste/revoltado com a pomposidade. Se ele não fosse FFLCH, a diferença no meu comentário anterior seria apenas de que eu não citaria a faculdade, o resto da "virulência" continuaria.

Porém, por outro ponto de vista, vejo muitos acadêmicos - Fábio Fernandes, Adriana Amaral, por exemplo e citaria o Braulio Tavares, mas não sei se ele é acadêmico mesmo, na acepção do termo - que escrevem textos simples, de leitura gostosa, sobre assuntos tão ou mais cabeludos do que o que o Tadeu escolheu.

Da mesma forma, durante anos fui sócio de uma empresa e escrevia os textos dos web-sites, propostas, contratos... isso não fez com que o linguajar "marqueteiro" e "coporativo" fosse para meus contos, artigos e textos pessoais.

Então, cabe de repente a reflexão sobre o tipo de meio em que se publica e a atenção que se dá a ele. Publicamos na web, eu e vocês, mas nem por isso o que publicamos precisa ser, err, desleixado, sem revisão.

Concordo que é complicado com a vida que vocês levam (entendo perfeitamente, até pouco tempo atrás eu estava em uma rotina semelhante ou pior), mas uma revisão rápida, só para pegar as coisas mais óbvias, já ajuda muito e mostra seriedade com a publicação, seja ela na web ou em qualquer outro meio. E por que na web "aceitamos" publicar algo sem revisão, quando se fosse um artigo para uma revista ou um texto para um professor/orientador (que potencialmente será o único a ler o texto), não? Fica esse comentário/reflexão sobre o meio em que publicamos, então.

Um abraço e obrigado pela resposta rápida, gentil e objetiva.

Anônimo disse...

Eu gostaria de perguntar se vc vislumbrar tanto em Fausto quanto em Crime e Castigo a presença de Sônia e Margarida como portas para a redenção e para o amor... Será que elas seriam o complemento ou a soma ou espelho do humano do que há de mais sublime e elas são uma espécie de detonador ? O que vc acha ?

Tadeu Andrade disse...

Nossa, Andrea, você chamou atenção para um ponto que eu não havia percebido antes, mas que é interessante.

Realmente, as duas personagens se parecem muito. São duas figuras de inocência e pureza. Sônia já é uma prostituta, o que a diferencia de Margarida e a transforma num contraste bem mais forte. No entanto, Margarida, mesmo depois de matar o próprio filho ainda é mostrada como alguém inocente que será salva (como diz a "Voz do Alto" no momento da morte da personagem).

Agora, você colocou a idéia delas serem uma espécie de "detonador" do espírito sublime nos personagens.

Em Crime e Castigo isso parece bem forte. Quer encaremos a mudança de Raskolninov como positiva ou negativa, a verdade é que Sônia influencia muito as atitudes de Raskolnikov depois do assassinato. Ela que acaba "convertendo-o" ao cristianismo e, assim, é bastante ligada a idéia da "redenção" que está no livro.

Em Fausto acho que já é um pouco diferente. O protagonista tem um desejo de fruir os prazeres que existem no mundo. O amor por Margarida é o grande "objeto" dessa fruição na primeira parte da peça. Mas esse amor, concretizado por Mefisto, acaba tendo resultados realmente desastrosos, gerando a morte da personagem e de toda sua família.

Na segunda parte, Margarida sai realmente de foco e Fausto vai atrás de outras coisas: a colonização, por exemplo. Contudo, é interessante pensar como o "grande objeto" da segunda parte também é uma mulher: Helena de Tróia, que Fausto encontra em uma viagem ao mundo dos mortos. Embora o amor de Fausto e Helena dê errado também, ao fim, quando Fausto, depois de morrer, é libertado do poder de Mefisto pelos anjos, ele sobe aos céus em direção à "Mater Gloriosa", que é um símbolo do "Eterno Feminino".

É interessante, que, nesse momento, Margarida aprece como uma penitente que ora por Fausto.

O motivo da salvação de Fausto me parece um tanto obscuro, sendo sugerido que este seria a "eterna aspiração" que a personagem possui. Eu não diria que Margarida seria a razão da salvação , mas a idéia do "feminino" parece estar intimamente ligada tanto ao desejo de Fausto como à sua salvação.

Interessante que no "Fausto" do Murnau isso existe: no final do filme, depois que o protagonista morre voluntariamente, na fogueira em que Margarida é condenada, o Anjo indica que o amor de Fausto o salvou.

Isso foi mais ou menos o que pensei sobre o assunto. O que você acha sobre essa relação que você apontou?