sábado, 15 de agosto de 2009

Iberê Camargo, O Duplo.



Iberê Camargo (1914 -1994) foi um pintor e gravurista brasileiro de grande importância na arte moderna. Para saber mais sobre o artista visite o site do Instituto Iberê Camargo.
Sua carreia e reconhecimento é de dar inveja a muitos artistas, mas este post tem como foco um outro lado do pintor: a escrita.
Além de artista, Iberê também lecionou e chegou a Doutor em sua carreira acadêmica, publicando artigos, livros sobre gravura e também um livro de contos "No Andar do Tempo: 9 contos e um esboço autobiográfico" em 1988, posteriormente em 1998 (quatro anos após sua morte) foi lançado seu segundo livro de contos, ou melhor : sua autobiografia, intitulada "Gaveta dos Guardados" (parte deste disponível no Google Books).

Iberê era um amante da literatura, e escrever era parte da sua vida, assim como sua vida sempre fez parte de suas obras. Nas diferentes fases de sua pintura ou na gravura, existia a busca de apreender memórias e sensações de seu passado.
Um grande responsável por uma nova mudança em suas pinturas foi o incidente no inicio da década de 80, quando Iberê mata a tiros um homem que o agrediu. Este episódio modificou sua pintura e sua vida. um peso que o artista carregou até sua morte.

Esses e outros episódios de sua vida são relatados em "Gaveta dos Guardados" como pequenos contos ou textos soltos.
"Gaveta..." é um misto de memória e ficção, e algumas vezes não é possível saber quando começa um e termina o outro.
A narrativa de Iberê nos leva a outro mundo, sua escrita enriquece seus momentos trazendo uma magia e uma sedução que só as lembranças do passado possuem.
Mais que uma biografia, "Gaveta dos guardados" também é um livro sobre pintura, contos e sobre a vida.

O conto que se segue tem uma estranha natureza, pois ao mesmo tempo em que possui uma aura de ficção, também é uma memória. Seus elementos principais já serviram de inspiração a outros escritores: de Edgar Allan Poe a Jorge Luis Borges.
Porém, justamente por ser um livro autobiográfico e pelo conto em questão ser tratado como uma memória de Iberê, este ganha uma estranha aura.
Podemos enxergá-lo como uma metáfora, ou apenas um recurso para dar corpo a uma idéia, aceita-lo como verdade não é a questão, mas sim apreciar este pequeno relato como um dos diamantes mais preciosos de uma vida.


O Duplo

Sentado num dos primeiros bancos do ônibus número 15, Praça São Salvador - Rio Comprido, vejo surpreso, e logo com crescente espanto, minha imagem refletida no retrovisor, com traje e movimentos que não são meus. Para afastar a possíblilidade de uma alucinação, faço, como prova, exaustivos gestos propositadamente exagerados, que a imagem refletida não repete.
__ Um sósia? Mas esse é semelhante, jamais idéntico.
Meu desassossego, meu espanto crescem.
O outro, com roupa e movimentos diferentes, permanece tranquilo, impassível, alheio à minha presença e parece nem se importar em ser réplica.
__ Ele não me terá visto? Impossível, estamos próximos. Ele talvez ocupe um assento a minha frente. Não sei.
A Ideia do indivíduo de ser dois apavora.
Já agora preso de um terror incontrolável, Sôo a campainha do coletivo e desço precipitado, sem olhar para trás, sem sequer ousar localizá-lo : falta-me coragem para ver o outro que vive fora de mim.


DIOGO NOGUEIRA ,
é Designer Gráfico e ilustrador,
estudante de Artes Pláticas
no Unicentro Belas Artes

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Janela Interna



O "conto" que se segue é um experimento para meu TCC(Trabalho de conclusão de Curso) na linguagem de pintura. Este texto é uma conversa entre o meu métedo de pintar com os motivos que me instigam. Seu objetivo é construir uma imagem carregada de uma sensação e sentidos. como se percorrêssemos uma sequência de grandes quadros e nossos olhos fossem se apegando a cada detalhe para formar um todo.
A construção do texto pretende trazer os elementos que vão ser trabalhados na tela. como uma troca: ao mesmo tempo o repertório da pintura é a base para o texto, este texto dará vida a uma nova tela.
Agora vocês terão a chance conferir o texto, mas vou ficar devendo a tela em si!

Boa leitura a todos.


Flutuava no espaço como que pendurada por linhas invisíveis. O céu de um vermelho carmim refletia nas nuvens cinzas, tingindo-as em matizes imprecisas.

Ele tinha a cabeça virada para o alto, como se observasse a janela suspensa, mas seus olhos estavam fechados, seus olhos nem existiam de fato. Todavia, a janela não estava no céu externo, habitava dentro dele, suspendia seus pensamentos e desejos, costurava seus medos, escondia suas verdades.


Estendeu o braço, tentando alcançar a grande janela, agarrou-se às nuvens rasgando o céu. Repetiu o gesto, agora com a mão esquerda, impulsionando seu corpo e se prendendo as paredes celestes, seu peso fez uma nova fenda no espaço e delas, brotaram linhas negras, agarrando seus braços em um nó forte e rígido. Agora não podia continuar sua escalada e nem voltar atrás.

Corvos sobrevoavam sua cabeça, e rápidos, se postaram acima da janela, olhando fixamente para o sol poente. O tempo corria devagar.
Um líquido viscoso amarronzado começou a escorrer das fendas no céu, descendo pelos seus braços, cobrindo suas roupas e sua pele, começava a sufocá-lo.

Aflito, se debatia, usando todas suas forças, tentava abrir os seus olhos e se livrar das linhas que prendiam seu corpo aos céus.

Esperneava-se, e sua perna direita se enganchou ao último suspiro do vento e penetrou o céu. Agora seu corpo desenhava uma estranha pose no ar, ainda com os olhos fechados, não pode ver que agora, a janela se abria.

Sentiu suas pernas serem puxadas pela fenda. Enquanto uma luz matinal invadia o céu vermelho da sua mente tornando tudo menos nebuloso e confuso.

Um grande olho surgiu por detrás da janela. Tapando toda luz. O olhar curioso buscava compreender o que via.

Enquanto ele aos poucos abria os seus olhos e sentia seu corpo ser costurado ao liquido viscoso que o envolvia.
A última coisa que viu foi a si mesmo, pendurado em memórias tristes, preso por seu passado.


DIOGO NOGUEIRA ,
é Designer Gráfico e ilustrador,
estudante de Artes Pláticas
no Unicentro Belas Artes

sexta-feira, 24 de julho de 2009

Live Action de Ficção Científica



O novo live-action da Confraria das Ideias acontecerá amanhã, e a "super-produção" já tem tema definido. O vídeo acima é o trailer do live-action "O maior passo da Humanidade", que tem como tema Viagem no Tempo e é uma ficção científica das polpudas.

Luiz Falcão, do Fabulário, integra a equipe criativa do live-action, que acontecerá amanhã na Zona Leste de São Paulo, Vila Curuçá (acessível para quem é de outras regiões a partir da estação Corinthians-Itaquera do metro). "A história envolve um vírus que destruiu a humanidade, transformando-os em monstros. Cansados de procurar a cura, um grupo de cientista resolveu mudar a estratégia tempos atrás... agora, eles aparentemente desenvolveram uma forma de voltar no tempo. Tudo indica que eles usarão essa tecnologia para impedir que o vírus se espalhe, mas num live-action, só os jogadores podem nos dar qualquer certeza", conta Luiz.

"As referências para a criação da história são extensas e vem principalmente do cinema: La Jette, O Nevoeiro, Eu sou a Lenda... são alguns dos mais fortes. Fora isso, quisemos trazer algo da atmosfera do jogo brasileiro Taikodom, que já é uma referência em FC científica nacional, por isso há entre os personagens um grupo de astronautas". O cenário construído para esse live, como podemos deduzir pelo trailer, tem até algumas semelhanças com o universo ficcional de Taikodom, mas aqui a ação se passará na terra.

Live-Action é uma prática que mistura elementos de jogo e teatro, e é comumente associada aos RPGs. Nesse tipo de atividade, uma equipe de criação desenvolve o cenário (background) da história e os personagens. Os jogadores vão receber cada um 1 personagem e o viverão durante algumas horas, como numa peça de teatro. Mas num live, não há diretor ou roteiro pré-definido, são os jogadores, a partir de suas escolhas e ações enquanto interpretam seus personagens, que definirão os rumos da história.

live-action rpg ficção científica

"Para mais informações: http://rpg-live.blogspot.com/

Para fazer sua inscrição ou tirar dúvidas, envie um e-mail para: contato@confrariadasideias.com.br


A Confraria das Ideias atua há mais de 10 anos com a criação e realização de live-actions, com cases famosos como o primeiro ciclo de lives do grupo O Graal. Há três anos, vêm realizando um trabalho junto às bibliotecas públicas do município de São Paulo. O live-action "O maior passo da Humanidade" encerra a "temporada de 2009".

No site e no blog da Confraria é possível acompanhar as últimas novidades, próximos eventos e as fotos e vídeos de live-actions já realizados.

O tema deste live foi sugerido por um dos jogadores.

sexta-feira, 1 de maio de 2009

As Tentações, ou Eros, Pluto e a Glória

Dizem que a primeira história que esboçou algo semelhante a um pacto demoníaco foi a tentação de Cristo no deserto, quando o demônio mostra todos os reinos da terra e diz "tudo isso te darei, se me servires". Se, por um lado, a história de Fausto mostra alguém que teria aceitado essa proposta, não faltam narrativas onde os protagonistas tomam a mesma atitude que Cristo: rejeitam a tentação.

No seu livro O Spleen de Paris (mas conhecido como Pequenos Poemas em Prosa), Baudelaire dedica um dos poemas, "As Tentações, ou Eros, Pluto e a Glória", a essa temática, mas de um jeito bastante renovado por sua poética. Resolvi traduzir o poema, que vocês podem conferir abaixo.


Gravura de Almery Lobel-Riche, feita em 1921 para uma edição de Spleen de Paris.

Dois soberbos Satãs e uma Diaba não menos extraordinária subiram noite passada a escada misteriosa por onde o Inferno toma de assalto a fraqueza do homem que dorme e se comunica em segredo com ele. E eles vieram se postar gloriosamente diante de mim, de pé, como sobre um estrado. Um esplendor sulfuroso emanava dessas três personagens, que se destacavam assim do fundo opaco da noite. Eles tinham um ar tão orgulhoso e tão cheio de dominação, que eu tomei primeiramente todos os três por verdadeiros Deuses.  

A aparência do primeiro Satã era de um sexo ambíguo e ele tinha também, ao longo das linhas do seu corpo, a moleza dos antigos Bacos. Seus belos olhos langorosos, de uma cor tenebrosa e indecisa, lembravam as violetas ainda carregadas dos pesados choros da tempestade, e seus lábios entreabertos caçarolas quentes, de onde exalava o bom odor de uma perfumaria; e a cada vez que ele suspirava, insetos almiscarados se iluminavam, esvoaçando, pelos ardores de seu sopro.

Em volta de sua túnica de púrpura estava enrolada, à maneira de um cinto, uma serpente luminescente que, com a cabeça erguida, voltava langorosamente em direção a ele seus olhos de brasa. Nesse cinto vivo estavam suspendidos, alternando com frascos cheios de licores sinistros, brilhantes facas e instrumentos de cirurgia. Na sua mão direita ele tinha um frasco cujo conteúdo era de um vermelho luminoso e que tinha por etiqueta estas palavras bizarras: “Bebei, esse é meu sangue, um perfeito cordial”; na direita, um violino que lhe servia, sem dúvida, para cantar seus prazeres e suas dores e para espalhar o contágio de sua loucura nas noites de sabá.

Nos seus tornozelos delicados arrastava alguns anéis de uma corrente de ouro rompida, e quando o desconforto em que isso resultava o forçava a baixar os olhos contra a terra, ele contemplava vaidosamente as unhas de seus pés, brilhantes e polidas como pedras bem trabalhadas.

Ele me olhou com seus olhos inconsolavelmente magoados, de onde fluía uma insidiosa ebriedade, e ele me disse com uma voz cantante: “Se você quiser, se você quiser, eu farei de você o senhor das almas, e você será o mestre da matéria viva, mais ainda que o escultor o pode ser da argila; e você conhecerá o prazer, renascido sem cessar, de sair de você mesmo para esquecer-se em outro e de atrair as outras almas até confundi-las com a sua.”

E eu lhe respondi: “Muito obrigado! Não tenho o que fazer com essa tralha de seres que, sem dúvida, não valem mais que meu pobre eu. Mesmo que eu tenha alguma desgraça ao me lembrar, eu não quero esquecer nada, e mesmo se eu não te conhecesse, velho monstro, sua misteriosa cutelaria, seus frascos equívocos, as correntes pelas quais seus pés estão enredados são símbolos que explicam muito claramente os inconvenientes da sua amizade. Guarde seus presentes.”

O segundo Satã não tinha nem aquele ar ao mesmo tempo trágico e sorridente, nem aquelas belas maneiras insinuantes, nem aquela beleza delicada e perfumada. Era um homem enorme, de um rosto gordo sem olhos, de quem a pesada barriga pendia sobre as coxas e de quem toda a pele estava dourada e ilustrada, como por uma tatuagem, por uma multidão de pequenas figuras que se moviam representando as formas numerosas da miséria universal. Havia pequenos homens descarnados que se suspendiam voluntariamente em um prego; havia pequenos gnomos disformes, magros, dos quais os olhos suplicantes pediam caridade mais ainda que as mãos tremulantes; e, depois, velhas mães portando abortos que pendiam de suas mamas extenuadas. Havia ainda muitos outros.

O gordo Satã batia com seu punho sobre seu imenso ventre, de onde então saia um longo e ressonante tinido de metal, que terminava em um vago gemido feito de numerosas vozes humanas. E ele ria, mostrando impudentemente seus dentes podres, de um enorme riso imbecil, como certos homens de todos os países quando jantaram bem demais. 

E este me disse: “Eu posso te dar o que obtêm tudo, o que vale tudo, aquilo que substitui tudo!” E ele bateu no seu ventre monstruoso do qual o eco sonoro fez o comentário de sua fala grossa.

Eu me virei com nojo e respondi “Não tenho necessidade, para a minha alegria, da miséria de alguém e eu não quero uma riqueza entristecida, como um papel de parede, por todas as infelicidades representadas sobre sua pele.”

Quanto à Diaba, eu mentiria se não confessasse que à primeira vista eu encontrei nela um estranho charme. Para definir esse charme, eu não saberia compará-lo a nada mais que aquele das mulheres muito belas já avançadas em idade que, contudo, não envelhecem mais e de quem a beleza guarda a magia penetrante das ruínas. Ela tinha um ar ao mesmo tempo imperioso e desengonçado, e seus olhos, apesar de vencidos, continham uma força fascinadora. Aquilo que mais me golpeou foi o mistério de sua voz, por meio da qual eu reencontrava as lembranças das mais deliciosas contraltos e também um pouco da rouquidão das goelas incessantemente lavadas pela aguardente.

 “Você quer conhecer meu poder?” disse a falsa deusa com sua voz feiticeira e paradoxal. “Escute”.

E ela embocou então uma gigantesca trombeta, incrustada, como uma avena, de manchetes de todos os jornais do universo, e através dessa trombeta ela gritou meu nome, que rolou assim através do espaço com o ruído de cem mil trovões, e retornou-me repercutida pelo eco do planeta mais longínquo.

 “Diabo!” disse eu, meio subjugado, “eis o que é precioso!” Mas examinando mais atentamente a sedutora virago, pareceu-me vagamente que eu a reconheci por tê-la visto brindando com alguns malandros de meu conhecimento, e o som rouco do cobre levou às minhas orelhas não sei qual lembrança de uma trombeta prostituída.

Também eu respondi, com todo o meu desdém: “Saia daqui! Eu não fui feito pra desposar a amante de certos homens que não quero nomear.”

Com certeza, com uma tão corajosa abnegação eu tinha o direito de estar orgulhoso. Mas infelizmente eu despertei, e toda minha força me abandonou. “Em verdade, eu disse para mim mesmo, seria necessário que eu estivesse pesadamente entorpecido para mostrar tais escrúpulos. Ah! Se eles pudessem retornar enquanto eu estou acordado, eu não me faria de tão delicado!”

E eu os invoquei a alta voz, supliquei-lhes que me perdoassem, prometendo-lhes me desonrar tantas vezes quanto fosse necessário para merecer seus favores, mas eu tinha, sem dúvida, lhes ofendido fortemente, porque eles jamais voltaram.



TADEU COSTA ANDRADE,
é estudante do curso de
Letras na FFLCH - USP


sábado, 21 de fevereiro de 2009

Invisíveis porque querem (parte 3)

twittandoAna Cris e Fernando Trevisan, twittando às escuras!O invisibilidades II, segunda edição do evento de ficção-científica do itaú cultural, foi em setembro e eu ainda não terminei o meu relato.Portanto, muito tempo me distancia das duas mesas sobre as quais vou escrever - justo eu que não fazia anotações pois fotografava - vou tentar puxar pela memória...

O Domingo estava um pouco mais vazio: para alguns, era sinal que o sábado não tinha sido bom, para outros, foi o almoço de domingo, para uma terceira parte, uma turma teria exagerado na cervejinha de comemoração da noite anterior, e para o quarto final de teóricos especuladores, foi a pequena discussão sobre Star Treck que afastou uma parcela visível do público.

Domingo, segundo dia - Mesa 1
Por uma crítica de Ficção-Científica no Brasil: primeiros passos


Rodolfo LonderoRodolfo LonderoCheguei atrasado para a mesa com Adriana Amaral, Alfredo Suppia e Rodolfo Londero. A mediação foi de Rodolfo S. Filho, que tive oportunidade de conhecer no dia anterior.

A primeira impressão que tive é que havia algo errado com o nome da Mesa. O correto deveria ser algo como "a jovem pesquisa de ficção científica acadêmica", algo assim. Mas estejam atentos: "primeiros passos", diz o título da palestra. Fábio Fernandes (o curador do evento) não disfarça: ele sugere que não há uma crítica da Ficção Científica no Brasil (oh!) e aposta que ela virá de lá: da academia, dos jovens pesquisadores que estão usando seu tempo para refletir a Ficção Científica e suas reverberações por aí.

Das falas, consegui pegar apenas Adriana Amaral e Alfredo Suppia - o atraso (e o abismo já mencionado que distancia minha memória) comprometeu meu entendimento das posições do Rodolfo Londero - mas ele demonstrou grande repertório e esclarecimento sobre as pontuações. Com tese de mestrado foi sobre a recepção do cyberpunk no Brasil, estudo de caso de Santa Clara Poltergeist (veja adiante). Agora, no doutorado, segue na FC. Por sorte, consegui um trecho interessante em vídeo: confiram um pouco mais adiante.



Adriana AmaralAdriana AmaralAdriana Amaral fez questão de frisar que o campo de estudo dela é a subcultura ligada à ficção-científica, em especial ao cyberpunk. Senti que a fala dela poderia ter sido mais enriquecedora se houvesse um diálogo maior com as demais, pois pareceu-me descontextualizada, especialmente em relação às outras mesas. Mas levantou curiosidade e simpatia, sem dúvida, ainda mais com o Overlock sendo presenteado no dia anterior e circulando ainda nas mãos da platéia - se for para elaborar uma "teoria da conspiração" diria que Fábio Fernandes, em seu plano de revolucionar a literatura de ficção-científica no Brasil, convidou-a para mostrar que a ficção científica pode ir além, fazer mais e dialogar com o mundo real, modificando-o... que pode ser vivenciada. Será?

Adriana também falou um pouco sobre o fandom (fan, de fã, dom, como em kingdom), sobre como a ficção científica parece fechada a um certo grupo de admiradores, como a platéia presente (!). E disse isso como uma antropóloga, de fora da "civilização indígena" para a qual, ironicamente, está discursando. Mas não foi com maldade, não entendam mal. Ela disse em seu Blog, as palavras e as coisas, quando foi convidada para a mesa que na platéia "são todos homens e nerds rs ", mas não é agressivo, não... foi até com uma certa - e para mim preocupante - simpatia.

Alfredo Suppia
Alfredo Suppia

Alfredo Suppia me impressionou com a fala - primeiro porque não foi tolamente pessimista e reclamão, como já estamos habituados a ver por aí, em todas as áreas que consideram-se periféricas ou malditas, segundo porque, muito felizmente, mostrou que estava fazendo jus a sua cadeira no palco: tinha um bom e diversificado repertório e propriedade sobre o que estava falando. Para ele, no cinema - que é sua área de estudo - Ficção Científica não é a margem, é uma das correntes principais e com muito apelo comercial inclusive. Saem dezenas de filmes por ano (senão mais) em Hollywood e muitos, muitos mesmo chegam ao Brasil. Muitos seriam realmente bons filmes, e muitos são bem sucedidos.Rodolfo S. FilhoRodolfo S. Filho

No cinema brasileiro, Suppia disse não ser tão grande a escassez. Isto é, se formos contar a produção de curta metragens. Ele disse que o mercado no Brasil está crescendo (e alguém duvida disso!?) e que há muitos estudantes nas universidades e pessoal recém formado fazendo curta metragens de Ficção Científica - bem, um dia alguns desses caras devem fazer longas metragens, não é? E eles já tem gosto pela coisa, então quem sabe?!

A visão, ou o interesse, de Alfredo Suppia pareceu bastante abrangente (nesse sentido, muito próxima a visão de nosso pequeno coletivo). Entre os filmes que mencionou fazerem parte de sua pesquisa sobre ficção científica, destaco o brasileiro Kenoma. Uma rápida pesquisa pelo seu nome no google nos leva também a um bom número de textos de sua autoria sobre o cinema de ficção-científica.

Quanto ao Rodolfo S. Filho, ele foi um excelente mediador, com umas perguntas meio exageradas e canastronas mas muito instigantes e bem formuladas. Soube conduzir bem a conversa, levá-la e trazê-la de volta, proporcionando uma visão geral e diversidade de temas, sabendo lidar com a mesa heterogênea.
Domingo, segundo dia - Mesa 1
Ficção Científica Brasileira: passado e presente do gênero no Brasil


flagranteFlagrei uma anotação no caderninho da pessoa que estava aa meu lado!Como na mesa anterior, o título também não era assim tão correspondente ao conteúdo. Mas quem se importa! Bráulio Tavares, Fausto Fawcett e Guilherme Kujawski compunham essa mesa mediada por Sérgio Kulpas.

A mediação de Kulpas deixou a desejar, é verdade, mesmo tendo começado bem, com uma pergunta que rendeu assunto até o final da mesa: como os autores presentes lidavam com a linguagem em seus trabalhos.

Kulpas arrancou comentários aborrecidos do público e não era para menos, sua euforia acabou atrapalhando mais do que ajudando: atropelava a fala dos demais com comentários, em geral sem grande pertinência, e acabou por confundir seu papel de mediador, unindo-se a discussão ao lado dos demais. Especialmente na segunda metade da mesa, quando não disfarçava mais seu entusiasmo.

Bráulio TavaresTavaresBráulio Tavares é nosso já conhecido escritor, crítico e compositor brasileiro que dedica uma parte de seu tempo à ficção científica e à literatura fantástica - com pelo menos três coletâneas de contos dignas de nota, publicadas pela editora Casa da Palavra. Mais uma vez (tal qual no Fantasticon), ele fez a ponte entre a literatura convencional e a discussão em torno do gênero. Desconsiderou as colocações do mediador sobre seu texto literário (invenção de linguagem), confessou-se melhor crítico que escritor e trouxe para a discussão a tradição negligenciada da ficção científica Brasileira.

Com habilidade, expôs a sinopse (e os devidos comentários) de textos que ele considerava, na literatura brasileira, essenciais, ou verdadeiras obras primas da ficção científica. Mias uma vez, elaborou uma fala rica, distante da obviedade, do esperado, do comum. Segue abaixo um pequeno vídeo, que serve para ilustrar o sentido de sua fala.


Fausto Fawcett é músico e ficou famoso algumas décadas atrás com o hit Kátia Flávia, mas ele estava lá por ter escrito o livro de ficção científica Santa Clara Poltergeist (que também é nome de música e de vídeo). Com um discurso cheio de idas e vindas, digressões fenomenais e arrancando muitas risadas da platéia, Fausto convenceu a todos. Ainda que se perdesse em alguns pontos e pudesse parecer esguio em outros, traçou relações muito interessantes e - se não resolveu nada - trouxe novo tempero a discussão. Aliás, um tempero bem particular, bastante diferente do que estamos acostumados na FC brasileira.

Sua "tese" que mais me chamou a atenção foi a de que a ficção-científica, no Brasil e em outros países (Índia, Angola...), tem um ar diferente, uma lógica e um comportamento diferente da FC norte-americana e européia: um ar de traquitana, de "jeitinho" que se dá as coisas. Pode parecer óbvio falando assim, mas acredite: muita coisa foi (e ainda é) produzida no Brasil como mero reflexo do que se fez no exterior, e uma visão assim colocada, vinda justamente do padrinho-mor de Kátia Flávia e Regininha Poltergeist, tem muito significado!

Fausto Fawcett
Fausto Fawcett


Guilherme Kujawskio jornalista Guilherme KujawskiKujawski é ligado ao Itaú Cultural (inclusive um dos responsáveis pela bienal de arte e tecnologia, emoção artificial), mas estava lá também por um livro de ficção científica, o seu Piritas Siderais. Foi bastante discreto e humilde, mostrou muito decoro e respeito com os demais componentes da mesa e falou pertinentemente sobre movimentos literários, dando exemplos de literatura onde a forma ganhava maior importância - e como isso poderia ser caro à FC. Nesse sentido, acrescentou muito à fala de Tavares e ao ponto de vista geral da mesa, levantado pelo Kulpas.

Aliás, esta visão geral disse a plenos pulmões: ficção científica é literatura. Está sujeita as regras e avaliações da literatura e não pode esquivar-se do que já foi conquistado nesse campo. Assim, a última mesa "casou-se" com a primeira - e o Invisibilidades II, evento de ficção-científica do itaú cultural, parece ter terminado com a seguinte mensagem: ficção científica é coisa séria!

Pecha Kucha NightPecha Kucha Night

Ou quase. Para terminar descontraído, o evento preparou uma edição temática do Pecha Kucha Night. Não vou me deter muito aqui, deixo três pontos:


1 - Pecha Kucha Night é um evento que surgiu no Japão (Pecha Kucha = burburinho, reza a lenda). Foi criado por um escritório de arquitetura e é uma forma de apresentar projetos, teoricamente mais dinâmica que a tradicional. A idéia é que há um número definido de slides e um tempo definido para cada slide, nada muito além disso - mas com apresentação animada (e quando não "intervenção") da organização. No fundo, no fundo, é um nome descolado para "apresentação de powerpoint".

2 - A versão de São Paulo é bem animada, com interferências do apresentador, gracinhas e boicotes por parte da equipe técnica. Muito bom isso, aliás. O Pecha Kucha paulista está "sediado" no Itaú Cultural, mas o formato foi dado - como nos contou o Kujawski - por Paulo Scott, que comanda o evento Vocabulário, n'o Barco (e mais alguém que - desculpem- eu não me recordo). A apresentação ficou então sob égide do Kujawski que, infelizmente, não tem nem de longe a desenvoltura e carisma do Paulo Scott. Uma pena, pois fica claro que Kujawski está tentando "imitar" Scott e sua turma (dentro dela também o poeta Chacal) - impressão que tenho é que Kuja ganharia mais se tentasse um estilo próprio.

3 - A adesão para esse tipo de evento não costuma ser muito impressionante, nem em número, nem em qualidade. Com o tema ficção científica, então! Mas entre algumas apresentações ruins houve coisa boa. Inclusive uma saída de mestre da organização, que frustou uma apresentação meia-boca e ainda assim mostrou todas as divertidíssimas imagens que o expositor preparou (apenas com o intuito de ser selecionado). O grande destaque foi o Alfredo Suppia, que preparou uma ficção hilariante a partir de frames extraídos de filmes (curtas e longas) de ficção científica de diversos tempos e origens.


Saldo positivo no evento que se mostrou mais denso e interessante que o Fantasticon, pelo menos até agora. Correram pedidos acalorados para que o evento se torne anual, e não bienal. Tolice! Deixem como está, que está de bom tamanho. Dois anos é tempo de distinguirem-se as tendências e os assuntos mais pertinentes relativos ao gênero e de escolher a dedo um bom curador.

Diminuir a frequência seria comprometer a qualidade. E tenho dito!


LUIZ PIRES,
é webdesigner e estudante
de Artes Visuais no Unicentro
Belas Artes

quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Ficção de Polpa 3 - Uma prévia

Esta semana, a Não Editora revelou a lista de autores do aguardado Ficção de Polpa 3. Esta edição contará com um diferencial: o conto em quadrinhos O quarto desejo, com roteiro de Guilherme Smee e arte de Jáder Correa. Guilherme Smee, além de editor da Não, já publicou contos em edições anteriores. Além dele, alguns autores já estiveram presentes em outras edições, outros não. Vamos a eles:

O quarto desejo, de Guilherme Smee (roteiro) e Jader Côrrea (arte)
Prédio, de Bruno Mattos
O pipoqueiro, de Frederico Cabral
Admirável mundo Monga, de Samir Machado de Machado
Recuperação, de Antônio Xerxenesky
Trabalho, chefe, gole de café, de Luciana Thomé
O anão, de Sérgio Napp
Indiferente à tragédia, de Fernando Mantelli
Carinhas coloridas, de Helena Gomes
Os melhores amigos, de Clarice Kovacs
Cricket, Larson, de Rafael Kasper
Ursinho de sonho, de Renato Arfelli
Fabulosas Inconsistências, de Felipe Kramer
Todas as cobras, de Emir Ross
Sonho de consumo, de Ubiratan Peleteiro
Pelos dentes da baleia, de Roberto de Sousa Causo
Os teus sapatos, de Marcelo Juchem
O corredor infinito, de Fábio Fernandes
Duas fábulas, de Lancast Mota
Pelo alívio dos enfermos, de Alessandro Garcia
No meio da noite, de Rodrigo Figueira
A vila das acácias, de Sílvio Pilau
Amor aos pedaços, de Rafael Spinelli
Um insalubre sozinho no escuro, de Cardoso

Como sempre, o livro trará uma faixa bônus, um conto traduzido de um autor essencial. Nesta edição teremos O portal do monstro, de William Hope Hodgson, publicado originalmente em 1910 no livro Carnacki the Ghost Finder.

A capa desta edição, ainda inédita, é de Daniel HDR. O lançamento do Ficção de Polpa - Volume 3 esta previsto para maio ou junho.


CARA CAROLINA ,
é webdesigner e estudante
de Artes Plásticas pelo
Unicentro Belas Artes

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

O Livro de Tunga e sua abordagem do Fantástico

Tunga

O Fabulário, além de ser um blog e uma revista de literatura, é também um grupo de discussão do fantástico nas artes. Nos últimos tempos, por inúmeros motivos, as discussões e pesquisas se fixaram mais no terreno da literatura. O maior responsável por isso talvez seja nosso pequeno rebento (A revista). Em segundo lugar, pode-se perceber pelos marcadores do blog, o cinema é outra arte bastante citada entre nós.

Compartilhamos entre os membros o desejo de falar de diversas outras artes cujo fantástico é fonte de alimento. Entre elas as Artes Visuais e a Música, e, quem sabe em momentos de mais desprendimento, o Teatro e a Dança. Mas como para nós, (e acho que posso falar por todos do grupo), palpite por palpite, opinião por opinião não é o que interessa como produto final, pode demorar um pouco esses assuntos chegarem por aqui.

Falar do que nos instiga, observar, debater abordagens e soluções em todo e qualquer gênero para se criar um repertório além dos clichês, dos caminhos pobres, ou até mesmo usá-los com consciência. Esse é o objetivo que acredito ser interessante.
Após o Luiz estrear a tag "música" fiquem com a estréia da tag "artes visuais"

Boa Leitura a todos


Xipófagas Capilares
Xifópagas Capilares


O Artista

Antonio José de Barros Carvalho e Mello Mourão ou Tunga, como ficou conhecido mundialmente, é um artista brasileiro nascido em 1952 em Pernambuco. Mudou-se para o Rio de Janeiro em 1974, onde cursou Arquitetura, atuando, porém, como artista plástico após se formar, ganhando diversos prêmios durante as décadas de 80, 90, que impulsionaram sua carreira.

Sendo um dos artistas contemporâneos mais conhecidos e elogiados atualmente, Tunga já fez exposições nos principais museus e galerias de todo mundo, incluindo o MoMA em Nova York, o Louvre em Paris entre tantos outros.

Suas obras que mais se destacam são geralmente esculturas e performances, que levam sua marca em acabamentos perfeitos, demonstrando sua grande dedicação no desenvolvimento de seus projetos.


Tranças das Xifópagas Capilares
Tranças das Xifópagas Capilares.

Para saber mais sobre o artista veja sua pagina no site do Itaú Cultural, ou ainda, leia duas de suas entrevistas no Jornal da Folha on-line aqui, e aqui.



O Pretexto

O novo projeto (não tão novo assim, já que foi lançado em 2007) A Caixa de Tunga é o pretexto inicial para essa postagem. A caixa traz uma coleção de livros com obras do artista, cada um com formatos diferentes, diversos papéis e camadas de impressões. Um item de colecionador de arte, que, como tal, teria o preço de um órgão humano no mercado negro. Porém, a Cosac Naify não o produziu para ganhar muita grana, mas apenas para comemorar os 10 anos da editora, e sendo assim, distribuiu os 500 exemplares impressos entre universidades (publicas e privadas) e bibliotecas de todo o país.

E se você já clicou no link ali, ou acessou em outra ocasião  a página d'A Caixa de Tunga no site da CosacNaify, já ficou sabendo que, além disso, os livros estão disponíveis em pdf para serem baixados por quem se interessar. Sem vender seu olho ou seu coração é fácil ter a caixa de Tunga em casa. Pode ser que a sua não seja imantada, nem que tenha camadas de verniz etc, mas quem liga? Esqueça o fetiche do papel e se divirta.

Mas caso você ainda queira sentir cada um dos livros, é só conferir a lista de bibliotecas que possuem um exemplar e ir na mais próxima de você: eu recomendo! Você vai se perder entre dobras e mais dobras, pôsteres e impressões tão boas que te colocam quase em frente a obra. (eu sei, é um exagero)
E se você gostar bastante e ficar triste por não poder ter um em casa, a Cosac já pensou nisso e colocou um link para o primeiro livro lançado na editora, pelo mesmo Tunga, o Barroco de Lírios.

Encarnações Miméticas

Encarnações Miméticas

Fotos do livro Encarnações Miméticas. Performance de mesmo nome.


"Cada livro desse seria uma espécie de barco num oceano, solto. Então, em cada momento, qualquer um dos leitores pode se tornar o capitão de um desses barcos e ir em direção a um outro barco e ocupar um outro barco e reformar a sua própria frota de pequenos barcos, que são esses livros. Quer dizer, eu vejo esses livros com uma certa independência e, ao mesmo tempo, com uma natureza muito próxima."
(Tunga em entrevista por Antonio Gonçalves Filho, também presente no site da "Caixa")


Performance Pequeno Milagre fotos do livro Se essa Rua fosse minha.


O Trabalho

Dois pontos a se ressaltar sobre a obra de Tunga são sua pesquisa e o processo de desenvolvimento.

Seus trabalhos tem como início, muitas vezes, fatos cotidianos, acontecimentos da sua vida ou a relação entre duas coisas diferentes. Um caminho comum também é a sua relação com outras áreas de conhecimento, como a literatura, filosofia, química e biologia que servem de alimento de pesquisa para suas obras. É nessa construção de relações que os trabalhos de Tunga são criados.

Seus projetos passam dessa idéia inicial para a pesquisa, da pesquisa para o desenho, e, a partir do momento que ganha o papel, ela se torna um ser vivo, pois o artista passa a desenvolvê-las, recriá-las e desdobrá-las no decorrer dos anos.


Desdobramentos da obra olho por olho


Com frequência, Tunga busca a ancestralidade, a história dos objetos, dando preferência a fontes mitológicas e ritualísticas de antigas civilizações. Seus objetos são deslocados no tempo trazendo dentro de si conceitos e marcas de lugares distantes.

A obra Olho por Olho é um bom exemplo do método de Tunga. No livro de mesmo nome, o artista conta que esta obra teve início quando ele encontrou dentes de leite de uma amiga de infância guardados em uma pequena caixinha e para surpreendê-la desenvolveu uma pequena jóia com os dentes incrustados e a presenteou.

No decorrer do desenvolvimento desse trabalho, Tunga pretendia um "restauro de uma mistificação dos dentes", gerida pelo fato destes terem uma grande importância ritualística nas antigas civilizações. Invocando uma aura mágica e estranha ao mesmo tempo, Tunga vai desdobrando esse trabalho com diversas combinações, entre desenhos, esculturas e performances. De imensos dentes de metal pendurados por enormes correntes a pequenos dentes de porcelana perdidos em um chão cheio de leite em pó. o artista brinca com jogos de palavras, ou transforma os dentes em um jogo de xadrez em escala humana, onde os visitantes podem escolher tomar o lugar de uma das peças para jogar.

Um outro trabalho de Tunga que teve início nos dentes é o filme Medula, que aparece também no livro Olho por Olho como um conto no mínimo estranho e uma sequência de fotos, que mostra um casal se preparando para uma festa. O marido vai fechando o longo vestido da esposa, porém os botões são dentes humanos.



frames de Medula presente no livro Olho por Olho



"Como duas coisas se encontram? O que acontece do encontro dessas duas coisas? Por que essas coisas se encontram? E como do encontro pode vir a se produzir uma terceira coisa que não está nem na primeira, nem na segunda. Uma questão de como dois corpos ocupam o mesmo lugar, ao mesmo tempo, e formam um terceiro sentido que não está nem em um, nem em outro."
 (Tunga)

Não pretendo com essa postagem colocar rótulos ou enquadrar artistas. O interessante de se falar da obra de Tunga é que não há nada explícito em sua construção. Seria muito fácil relacionar artistas que pintam fadas, elefantes cor-de-rosa ou coisa que o valha com a aura do fantástico e, sobretudo, seria um problema enorme. Se começar um caminho como este, pode-se pegar uma maquina de rotular e ir etiquetando todos os artistas da idáde média, os clássicos, todas as vanguardas e muitos artistas contemporâneos em gêneros (o que seria um erro e nada interessante). Por isso, meninos e meninas, tomem cuidado, isso serve tanto para Arte Visuais como para a Literatura.


DIOGO NOGUEIRA ,
é Designer Gráfico e ilustrador,
estudante de Artes Pláticas
no Unicentro Belas Artes


domingo, 18 de janeiro de 2009

"Um livro de outro mundo!"

ficção de polpa volume 2

Ficção de Polpa – Volume 2 é a segunda edição da coletânea que, inspirada nas antigas pulp magazines do início do século XX, reúne contos de ficção especulativa de novos autores, em sua maioria. Com organização de Samir Machado de Machado, Ficção de Polpa teve sua primeira edição lançada em 2007. Enquanto no Volume 1 os contos presentes se aproximaram mais do horror, com narrativas tensas e viscerais, o Volume 2 é mais dedicado à Ficção Científica. Nesta edição, paira no ar a crescente solidão e “uma certa melancolia”.

A citação de Bradbury, logo no início do livro, só poderia ser um feliz prenúncio. Características do universo ficcional do autor americano surgem com frequência em diversos contos da coletânea, alguns em maior dosagem que em outros, ao passo que falam de ausência, saudade e memória, da não-linearidade do tempo.

Impossível não lembrar de A Hora Zero, conto da década de 40 de Bradbury. Se em A Hora Zero, os alienígenas invadem a terra com a ajuda de astutas e bem organizadas criancinhas, em Visitas a presença alienígena surge por intermédio de um walktalk paraguaio, presente que Rafael ganha do pai na véspera de seu aniversário de 8 anos. Embora se passe o interior do Rio Grande do Sul, o cenário de desolação que é o quintal da casa de Rafael, com mesas de plástico sobre a grama molhada, cairia muito bem nas pequenas cidades que povoaram a infância de Bradbury em Illinois.

Olhar para o passado sempre acaba por trazer um tanto de melancolia. Em Traz outro amigo também, de Yves Robert, um detetive aceita um caso dificílimo: encontrar o amigo imaginário, desaparecido há anos, de um cliente de sanidade duvidosa. Pois bem: não haveria curiosa semelhança entre a saga deste detetive, tendo que interrogar um punhado de “miúdos” e interagir imaginariamente com seus respectivos amigos invisíveis a fim de encontrar Cornélios, o desaparecido, e as aventuras de Charlie e o Coronel Stonesteel em A autêntica múmia egípcia feita em casa, de Bradbury? Não seriam a solidão e o marasmo do pacato detetive idênticos ao clima de vazio que reinava em Green Town antes das aventuras arqueológicas que a dupla de Bradbury simulou justamente para a arrancar a vida da “ociosidade mórbida” na “cidade mais comum, ordinária, medíocre e chata de toda a eterna história dos impérios”? As duas histórias, enfim, parecem trazer uma centelha de salvação.

Mas nem só de vespertina melancolia é feito o Ficção de Polpa 2. Em Cura-te a ti mesmo, de Carlos Orsi, um jovem recém formado em medicina começa seu estágio num curioso centro de pesquisa sobre cura mediúnica. Depois que o diretor lhe apresenta as recentes descobertas, o jovem lamenta não ter respondido com sinceridade a pergunta que lhe foi dirigida logo no início sobre sua convicção religiosa. Logo o ex-seminarista se confronta com suas próprias crenças e dúvidas, levando-o a tomar medidas precipitadas. O formato conto funciona muito bem nas mãos do veterano Orsi e a temática científica-esotérica é trabalhada de maneira bastante criativa.

Outros contos poderiam ser largamente abordados por aqui, mas não sem arcar com a ira dos leitores que não conseguiriam terminar este texto enquanto enganam o chefe no trabalho. Portanto, finalizo dizendo que o Ficção de Polpa – Volume 2 é promessa de textos divertidos e de qualidade. E a Não Editora parece ser um “sinal de inteligência vindo de um longínquo sistema solar”.

Quebre o cofrinho e adquira o livro clicando aqui.


CARA CAROLINA ,
é webdesigner e estudante
de Artes Plásticas pelo
Unicentro Belas Artes

segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

Woyzeck

Büchner não é muito conhecido aqui no Brasil. Autor alemão da primeira metade do século XIX, ele escreveu peças de teor "realista" e "social", além de estar sempre envolvido em ações revolucionárias. Apesar de sua obra ter demorado para ser reconhecida, foi extremamente influente. Entre seus admiradores estão Brecht e Orson Welles.

Woyzeck é uma das suas peças mais comentadas. É sua última obra e não foi terminada. Ela conta a história de Woyzeck, um soldado muito pobre, que é submetido a uma experiência: ele é obrigado a se alimentar apenas de ervilhas enquanto tem que prestar uma série de serviços. Isso afeta profundamente a mente do soldado.

Encenação de Woyzeck, dirigida por Larry Zappia (Foto:Drazen Sokcevic)

Em uma das cenas da peça, algumas crianças estão numa rua e pedem para a avó contar uma história. A história que ela conta me chamou a atenção e eu decidi traduzir e colocar aqui no blog. Aqui está:

Avó:
Venham rapazinhos! Era uma vez uma criança pobre e ela não tinha pai nem mãe, todos estavam mortos e não tinha mais ninguém no mundo. Todos estavam mortos e ela andou e procurou dia e noite. E, uma vez que não tinha mais ninguém na terra, ela foi para o céu e a lua olhou para ela tão amigavelmente e quando ela finalmente chegou na lua, a lua era um pedaço de madeira podre. E então ela foi para o sol e, quando ela chegou no sol, ele era um girassol murcho. E quando ela foi para as estrelas, elas eram umas moscas douradas pequenas, que estavam espetadas, como o esmerilhão as espeta nas ameixas. E quando ela foi de novo para a terra, a terra era um vaso destruído. E ela estava completamente sozinha. E lá ela se sentou e chorou, e lá ela está sentada e está chorando ainda.


Mais sobre Büchner: http://pt.wikipedia.org/wiki/Georg_Büchner

Lista de traduções de suas peças para o português (e também de outros autores alemães): http://volobuef.tripod.com/bibliotrad_teatro.htm

Mais fotografias da encenação dirigida por Larry Zappia: http://laryzappia.tripod.com/id15.html


TADEU COSTA ANDRADE,
é estudante do curso de
Letras na FFLCH - USP

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Areia nos Dentes

areia nos dentes

Areia nos Dentes, primeiro romance do porto alegrense Antônio Xerxenesky, nos foi dado de presente numa noite chuvosa do mês de agosto, devidamente autografado por seu autor. Aqueles que tiveram a oportunidade de ver um livro autografado por Antônio já se depararam com sugestivos desenhos: o meu exemplar vem com um polvo sorridente denominado “Cthulhu feliz”, para que não houvessem dúvidas de sua procedência.

Levei para casa, como promessa, um livro de faroeste com zumbis. Weird Western com experimentações pós-modernas e fanfarronices metalinguísticas. Um pastiche que não faz você rolar de rir, mas deixa no ar um clima de absurdo. Ok, o livro não ficou a dever nenhum destes elementos. Mas se olharem a fundo, com atenção, sem piscar uma só vez, vão notar que Areia nos Dentes é uma história sobre o porão dos Marlowes.

Martin Ramirez, o filho bom e corajoso do clã dos Ramirez, arrisca sua vida numa noite trêmula tentando descobrir o que raios havia no porão dos Marlowes. Uma bala súbita, vinda só Deus sabe de onde, quase o atinge. Martin foge, corre pelas areias de Mavrak, chega são e salvo em casa. Na manhã seguinte, é encontrado morto com uma bala cravejada nos intestinos. Assim começa a história contada por um filosófico senhor mexicano chamado Juan, a história de seus antepassados.

O livro segue alternando hora para o velho mexicano, seus copos de tequila e sua inquietação diante da distancia afetiva do filho, hora para a história dos Ramirez e dos Marlowes, envolvendo intrigas e duelos em Mavrak, mulheres desinibidas, um xerife forasteiro e alguns mortos-vivos. Assim como Juan, o leitor percebe não se tratar apenas de um faroeste excêntrico, e sim uma história sobre pais e filhos. Sobre o medo do novo (as terríveis metralhadoras que habitariam o porão dos Marlowes ou o computador que corrompe parte do texto de Juan com um vírus?) e o medo na noite.

Ficamos sem saber o que há de tão misterioso no indevido porão, assim como não sabemos quem atirou em Martin e nem com quantos homens Vienna dormiu enquanto seu namorado estava viajando. Um pacto foi quebrado: aquele que, em letras miúdas, obriga o narrador a não deixar pontos sem nó e, ao final da história, colocar tudo em pratos limpos. O porão dos Marlowes permanece escuro como a noite, para que os leitores possam “preenchê-lo com os recantos mais escuros de suas próprias almas".

Saiba como adquirir o livro aqui.

CARA CAROLINA ,
é webdesigner e estudante
de Artes Plásticas pelo
Unicentro Belas Artes