domingo, 23 de maio de 2010

O Personagem Pensa?



A alguns meses surgiu na lista de discussão do Fábulário a questão "O personagem pensa?" A pergunta surgiu com o Luiz, que leu um texto de Umberto Eco sobre a função da literatura.

Nesta postagem vamos mostrar o desenrolar e o resultado da discussão quase que metafísica da existência do personagem e seu pensamento.

e Começa a partida...


Luiz (Falcão):
Com a palavra, Umberto Eco:

"Podemos fazer afirmações verdadeiras sobre personagens literários porque o que lhes acontece está registrado em um texto, e um texto é como uma partitura musical. É
verdade que Anna Karenina se suicida, assim como é verdade que a "Quinta Sinfonia" de Beethoven foi escrita em dó menor (e não em fá maior, como a "Sexta") e se inicia com "sol, sol, sol, mi bemol". (...)"

Daí para admitir que o personagem pensa é um passo!

Rafael (Rato) :
Acho que ele não está defendendo que o personagem pensa, mas que podemos falar verdades sobre personagens (que não existem)...

Isso ao menos mostra que coisas, as quais estão em torno do personagem, podem ser verdadeiras. Talvez perfazendo um mundo e dando esse valor de realidade ao pensamento do personagem.

Mesmo assim acho que a discussão é um pouco vazia se não soubermos o que estamos chamando de pensamento, pois parece que personagem já temos claro...

Será que os personagens ainda pensam?


Segundo Descartes (1596-1650),"a essência do homem é pensar". Por isso dizia: "Sou uma coisa que pensa, isto é, que duvida, que afirma, que ignora muitas, que ama, que odeia, que quer e não quer, que também imagina e que sente".

F
oi ele também quem disse: "Penso, logo existo"


Pode se considerar pensamento a ação dos nossos neurônios em receber e transmitir estímulos, seja para nossa movimentação, ou sensação.

Mas a palavra pensamento, na verdade carrega consigo várias outras funções do nosso cérebro, tais como :Imaginação, raciocínio, atenção, percepção, memória e juízo.

"A essência do homem é pensar", a característica principal que transferimos a um personagem.
Rafael (Rato):

Um personagem como o Rodia do Crime e Castigo pensa e podemos dizer com uma veracidade nem sempre encontrada em pessoas, mas isso me parece bem conectado a "lírica" própria do texto.

(...)Nós conseguimos ver uma relação de causa e efeito operando e por isso algumas vezes podemos até antecipar estes pensamentos.
O personagem pensa assim, porque suas ações transmitem a nós alguma familiaridade, elas nos transmitem verossimilhança mesmo quando estão colocadas distantes da verdade.

Existem outras questões, por exemplo o Drácula, que é escrito em diários. Nesse caso o pensamento dos personagens é a única história, não há livro sem que os personagens pensem e por isso há comunicação total do personagem com o leitor.

Outra possibilidade fácil é o abuso desta questão dentro da narrativa, o que é feito na "literatura contemporânea". Vemos personagens que não só pensam, mas o fazem de um jeito quebrado, por diversos motivos... Problemas mentais, vivencias únicas, estranhamento do trabalho, ou apenas pelo rumo incomum da história... Nesses a mágica fica por parte de eliminar de vez a verdade e trabalhar com uma verossimilhança tênue.

Eis que entram em jogo a verossimilhança, a verdade e a representação do pensamento.

Nós, como leitores, entramos em contato com o pensamento do personagem ou do escritor?

e como escritores, pensamos pelo personagem, somos o personagem?
Diogo (Nógue):

Enquanto está se construindo a personagem, desenvolvendo sua índole, seu caráter, dando-lhe qualidades, ferramentas, ela automaticamente vai ganhando uma certa autonomia.

Ao colocar essa personagem em determinado contexto é esperado que ela tenha determinadas
ações. e é nesse ponto que alguns escritores, no mínimo desatentos, tiram a verossimilhança de uma ação da personagem e tira a "magia" ou imersão do livro.

Uma tática para tornar a personagem um gênio que sempre tem resposta pra tudo é colocar diante dele um problema que o leitor ou qualquer outra pessoa normalmente não teria a solução. mas você como autor tem a resposta desse problema e vai adicionar ao personagem um conhecimento, qualidade ou ferramenta extremamente necessária para solucionar o problema em questão.

Até então o leitor (as vezes nem o escritor) imaginava que a personagem era capaz de tal ato, mas o contexto exigiu um desafio que é vencido abrindo na personagem portas desconhecidas.
Exemplos disso são o Sherlock Holmes, o seu antecessor Auguste Dupin, e seu filho mais novo (e menos dotado literariamente falando) Robert Langdon, e até o famoso MacGyver (também conhecido como Magaiver hehe )

As vezes um escritor que não leva em conta o pensamento do seu personagem acaba o levando a ações descabidas para chegar em um objetivo pré-definido.

Acho que tudo começa no princípios básicos da nossa realidade : Pessoas pensam para executar ações, e o leitor transfere isso para o personagem que mesmo tendo sua existência apenas no papel, por ter características humanas, se enquadra na regra.
é papel do escritor corresponder a essa regra, ou dar suporte para quebrá-la.



Termina o primeiro tempo:
Até aqui o time dos apoiadores do Personagem pensante ganhou, mas nem todos concordam com isso. Na próxima postagem o jogo continua, e faremos uma lobotomia em campo.