terça-feira, 8 de junho de 2010

O Personagem Pensa? (Parte 3 Final?)


O Rafael em seguida ao que Luiz salientou do texto de Eco toca no que de concreto esta naquele parágrafo :

É possível afirmar e até tomar como verdade personagens e narrativas que os envolvem, pois essa é característica da literatura, ou antes, das narrativas (seja oral, visual ou escrita) .

Somos educados a ver na estrutura narrativa um propósito, e a ver nessa história uma correlação de fatos que as afirmam como verdadeira.

Até aqui nada de novo.

Eu e o Rafael falamos muito da verossimilhança em uma narrativa, e de como ela confere credibilidade a um livro ou conto.
Antes de tudo, narrativas e personagens não são verdades (nem existem), são representações de verdades e ou mentiras, sendo assim um livro ou conto não precisa representar verdade alguma e nem se preocupar com a verossimilhança.

Espelhamos nas narrativas nossas lógicas mundanas, mas isso também não é uma regra, deveríamos ter nos livrado desse fardo a muito, muito tempo.

Nós poderíamos ter finalizado a discussão nesse comentário de um dos nossos membros:


"Personagem pensa? Não.

Eu penso por ele? Nunca.

Eu penso? Sim.

Pensamento existe? Sim.

Mas personagem não tem pensamento? Não.

Personagem existe? Não."

Acho que nós, de antemão, já tínhamos burlado essa via de interpretação lógica onde seria ridículo um personagem pensar. Porém esta via nos leva a outros questionamentos interessantes.


Penso, logo existo;
Não existo, logo nunca poderei pensar que penso e que existo;
Sendo assim, não escrevi essa frase.

Será possível escrever ou criar uma narrativa onde nenhuma das nossas regras servem de parâmetro?
Essas tentativas de oposição sempre caem em negativas ou inversões das nossas lógicas.

Por outro lado: teria relevância ler/ver/ouvir uma narrativa que não tivesse a mínima relação com nossa realidade? ou até, isso seria inteligível?

Por exemplo: um high fantasy, ou sci-fi nos fazem experimentar lugares que nunca estivemos ou poderíamos estar, mas conferem realidade a essas dimensões. nos colocam na posição de descobridores (genericamente falando).
Mas esta perspectiva, de descobrir, já confere padrões de avaliação com a nossa lógica vigente.

É importante lembrar que não somos escravos da verossimilhança. Porque no final estamos trabalhando com representações. Tudo é possível.

"Eu penso por ele? Nunca."

Acho que mesmo o personagem não existindo, podemos pensar por ele, seja como escritor ou como leitor (em diferentes níveis).

O personagem não existe no nosso mundo, mas ele tem uma existência, assim como cada sonho, ou devaneio que criamos em nossas mentes tem uma existência. Acontece que quando tentamos "agarrar", interagir ou conviver com um sonho/devaneio ele nos escapa, ou se transforma, não criamos um vinculo.

(Tem pessoas que criam vínculos com sonhos ou com pessoas que não existem, (rs) mas isso é assunto para outro tópico sobre transtornos psicológicos.)

O personagem não existe, mas ele tem uma existência (isso é possível?).

Ele não existe no nosso mundo, não possui a mesma existência que eu ou você, mas ele existe para seus semelhantes e em seu contexto.
Eu também, posso andar com Dante debaixo do meu braço a qualquer momento, e posso acompanhá-lo nos círculos do inferno.

Do mesmo modo posso escrever sobre um personagem, o Fabu, um estudioso da literatura, contar as desventuras e aventuras dele para meus amigos, mandar uma fofóca da vida dele por e-mail e as pessoas podem rir, chorar ou me achar um chato com esse papo de Fabu.

A narrativa é a forma de atingir a existência de Fabu, de qualquer outro personagem ou pessoa, seja no mundo da literatura ou no real respectivamente.
Partindo disso, eu acredito que é possível pensar pelo personagem, pensar com o personagem, antecipar pensamentos do personagem, e o que vai confirmar ou desmentir esses devaneios vai ser a narrativa.

Então concluindo:

Personagem em sua definição pura e lógica não pensa.

Mas ao trabalhar um personagem ou ler um personagem entramos em contato com sua existência e nessa existência é permitido tudo, até mesmo, o personagem pensar.

DIOGO (Nógue) NOGUEIRA ,
é Artista Visual,
Designer Gráfico e ilustrador.

terça-feira, 1 de junho de 2010

O Personagem Pensa? Parte 2


Nesta semana o segundo tempo da discussão "O personagem Pensa?"
Já chamamos para nossa roda Umberto Eco e Descartes, além de outros autores e livros que citamos como exemplos dos personagem pensantes.
Na primeira parte da discussão os membros (eu:Diogo) e Rafael, demos argumentos para afirmar que o personagem pensa, baseando sobretudo na questão da verossimilhança, que é necessária em um texto para imergir o leitor.

O juiz apita, jogando tais palavras em campo : Realidade, Verdade, Verossimilhança e Existência.

Percebemos que começamos a discussão burlando de antemão a via do raciocino lógico.

Deixamos todo o papo filosófico de lado e refizemos a pergunta: O personagem pensa?

E a resposta mais lógica é:
Ele não pensa, ele nem existe!

Pronto, poderíamos ter encerrado a discussão por aqui e ido ler um livro.
Alguns se deram por satisfeitos e se foram.
Maaas... as palavras estavam lá prontas para se filosofar... não resistimos.

Os personagens não existem, são representações, assim como uma narrativa é a representação, nunca a coisa em si. Então o que podemos dizer da verdade ou da mentira em uma narrativa?
A verdade, como aprendemos com a história, depende sempre do ponto de vista de quem a conta.
E a verossimilhança, é ingrediente principal de uma narrativa? já que estamos falando de representação, por que não esquecer do padrão de real e criar livres?

Rafael (Rato):

Entendo seu ponto quanto a verossimilhança, principalmente a questão linguística presente aí. Em geral, concordo com esse argumento quanto a verdade e quanto a ter "cara" de verdade. Difícil ver uma possibilidade de extirpar essa parte de nós, a parte que busca a verdade e não, digamos, a mentira. A verossimilhança aparece como a mediação entre verdade e mentira, a demonstração que verdade é um valor, pois passa a dar valor de verdade a mentiras.

Adentramos no inóspito território do valor.

Bom, temos nossos olhos. A partir deles construimos as medidas que nos vão dar o sentido de verdadeiro ou falso, contudo nossos olhos já são um resultado. Não partimos de uma "tabula rasa" mas somos construídos a partir de uma série de noções providas socialmente. Procuramos na "realidade", que é nosso olhar, a base para a produção desse valor.

Deste modo, se represento a dor da perda, quem tomar contato com essa representação deverá conhecer esse sentimento, para então conseguir apreende-lo, ou seja, para dar valor de verdade a ele. Caso seja a representação de um sentimento, ou de algo que suporte apenas "sim" e não", então temos como resultado um valor de verdade. No caso de representar algo mais "concreto", como um homem, podemos ter o valor de verossimilhança, pois é possível atrelar o verdadeiro a algo que seja falso.

A importância do nosso olhar é que ele mesmo já é representação da realidade (nós não temos acesso a realidade mesma), assim a produção artística passa a ser um bigode numa mona lisa que chamamos realidade, mas que já é interpretação.

Retomo o pensamento de David Hume, o qual questiona a verdade do principio de causalidade... Ao vermos algo ocorrendo, como ao jogarmos uma maçã da janela, podemos afirmar sem dúvida que aquela maçã caiu da janela, mas não que a próxima maçã que jogarmos fará o mesmo. Assim nos habituamos a crer que o que acontece sempre continuará acontecendo sempre... Como ao vermos o pensamento sempre ligado ao Eu.

Por isso, que disse desde o início que o personagem pensa e que o problema maior é a realidade, a realidade do personagem (se ele existe) e a realidade do artista (se ele existe), que o pensamento existe é algo difícil de refutar... Assim, o pensamento do personagem existindo o faz tão real quanto eu, o Álvaro de Campos, vocês ou o Fernando Pessoa.
Voltemos com o Umberto...
Eco, tem mais alguns comentários?


Umberto (Eco):

Sobre o modelo de verdade afirmado em textos literários :
"Para muitos, essas coisas poderão parecer obviedades, mas tais obviedades (muitas vezes esquecidas) confirmam o mundo da literatura como inspirador da fé na existência de certas proposições que não podem ser postas em dúvida, com o que ele oferece um modelo de verdade, ainda que imaginário."

Sobre tomar um personagem literário como representação, ponto de referencia, uma verdade :
"Mas certos personagens literários, não todos, acabam saindo do texto em que nasceram e migrando para uma região do universo muito difícil de delimitar."

"Fazemos investimentos afetivos individuais em muitas fantasias que criamos nos nossos devaneios. Podemos realmente nos comover pensando na morte de uma pessoa amada, ou ter sensações físicas ao imaginar um contato erótico com essa pessoa"

"Teríamos então de encontrar a região do universo em que esses personagens vivem e determinam nosso comportamento, tanto que os tomamos como modelo de vida, própria e alheia, e entendemos muito bem quando se diz que alguém sofre de complexo de Édipo, tem uma fome de Pantagruel, um comportamento quixotesco, os ciúmes de um Otelo, uma dúvida hamletiana ou é um don Juan incorrigível."

Com esses trechos de Eco damos fim ao segundo tempo, o juiz marca a prorrogação. No proximos post o deradeiro (será o fim mesmo?) resultado da discussão "O Personagem Pensa?"