É possível afirmar e até tomar como verdade personagens e narrativas que os envolvem, pois essa é característica da literatura, ou antes, das narrativas (seja oral, visual ou escrita) .
Somos educados a ver na estrutura narrativa um propósito, e a ver nessa história uma correlação de fatos que as afirmam como verdadeira.
Até aqui nada de novo.
Eu e o Rafael falamos muito da verossimilhança em uma narrativa, e de como ela confere credibilidade a um livro ou conto.
Antes de tudo, narrativas e personagens não são verdades (nem existem), são representações de verdades e ou mentiras, sendo assim um livro ou conto não precisa representar verdade alguma e nem se preocupar com a verossimilhança.
Espelhamos nas narrativas nossas lógicas mundanas, mas isso também não é uma regra, deveríamos ter nos livrado desse fardo a muito, muito tempo.
Nós poderíamos ter finalizado a discussão nesse comentário de um dos nossos membros:
"Personagem pensa? Não.
Eu penso por ele? Nunca.
Eu penso? Sim.
Pensamento existe? Sim.
Mas personagem não tem pensamento? Não.
Personagem existe? Não."
Acho que nós, de antemão, já tínhamos burlado essa via de interpretação lógica onde seria ridículo um personagem pensar. Porém esta via nos leva a outros questionamentos interessantes.
Será possível escrever ou criar uma narrativa onde nenhuma das nossas regras servem de parâmetro? Por outro lado: teria relevância ler/ver/ouvir uma narrativa que não tivesse a mínima relação com nossa realidade? ou até, isso seria inteligível? Por exemplo: um high fantasy, ou sci-fi nos fazem experimentar lugares que nunca estivemos ou poderíamos estar, mas conferem realidade a essas dimensões. nos colocam na posição de descobridores (genericamente falando). É importante lembrar que não somos escravos da verossimilhança. Porque no final estamos trabalhando com representações. Tudo é possível. "Eu penso por ele? Nunca." Acho que mesmo o personagem não existindo, podemos pensar por ele, seja como escritor ou como leitor (em diferentes níveis). O personagem não existe no nosso mundo, mas ele tem uma existência, assim como cada sonho, ou devaneio que criamos em nossas mentes tem uma existência. Acontece que quando tentamos "agarrar", interagir ou conviver com um sonho/devaneio ele nos escapa, ou se transforma, não criamos um vinculo. (Tem pessoas que criam vínculos com sonhos ou com pessoas que não existem, (rs) mas isso é assunto para outro tópico sobre transtornos psicológicos.) O personagem não existe, mas ele tem uma existência (isso é possível?). Ele não existe no nosso mundo, não possui a mesma existência que eu ou você, mas ele existe para seus semelhantes e em seu contexto. Do mesmo modo posso escrever sobre um personagem, o Fabu, um estudioso da literatura, contar as desventuras e aventuras dele para meus amigos, mandar uma fofóca da vida dele por e-mail e as pessoas podem rir, chorar ou me achar um chato com esse papo de Fabu.
Penso, logo existo;
Não existo, logo nunca poderei pensar que penso e que existo;
Sendo assim, não escrevi essa frase.
Essas tentativas de oposição sempre caem em negativas ou inversões das nossas lógicas.
Mas esta perspectiva, de descobrir, já confere padrões de avaliação com a nossa lógica vigente.
Eu também, posso andar com Dante debaixo do meu braço a qualquer momento, e posso acompanhá-lo nos círculos do inferno.
A narrativa é a forma de atingir a existência de Fabu, de qualquer outro personagem ou pessoa, seja no mundo da literatura ou no real respectivamente. Então concluindo: Personagem em sua definição pura e lógica não pensa.
Partindo disso, eu acredito que é possível pensar pelo personagem, pensar com o personagem, antecipar pensamentos do personagem, e o que vai confirmar ou desmentir esses devaneios vai ser a narrativa.
DIOGO (Nógue) NOGUEIRA ,
é Artista Visual,
Designer Gráfico e ilustrador.