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terça-feira, 8 de junho de 2010

O Personagem Pensa? (Parte 3 Final?)


O Rafael em seguida ao que Luiz salientou do texto de Eco toca no que de concreto esta naquele parágrafo :

É possível afirmar e até tomar como verdade personagens e narrativas que os envolvem, pois essa é característica da literatura, ou antes, das narrativas (seja oral, visual ou escrita) .

Somos educados a ver na estrutura narrativa um propósito, e a ver nessa história uma correlação de fatos que as afirmam como verdadeira.

Até aqui nada de novo.

Eu e o Rafael falamos muito da verossimilhança em uma narrativa, e de como ela confere credibilidade a um livro ou conto.
Antes de tudo, narrativas e personagens não são verdades (nem existem), são representações de verdades e ou mentiras, sendo assim um livro ou conto não precisa representar verdade alguma e nem se preocupar com a verossimilhança.

Espelhamos nas narrativas nossas lógicas mundanas, mas isso também não é uma regra, deveríamos ter nos livrado desse fardo a muito, muito tempo.

Nós poderíamos ter finalizado a discussão nesse comentário de um dos nossos membros:


"Personagem pensa? Não.

Eu penso por ele? Nunca.

Eu penso? Sim.

Pensamento existe? Sim.

Mas personagem não tem pensamento? Não.

Personagem existe? Não."

Acho que nós, de antemão, já tínhamos burlado essa via de interpretação lógica onde seria ridículo um personagem pensar. Porém esta via nos leva a outros questionamentos interessantes.


Penso, logo existo;
Não existo, logo nunca poderei pensar que penso e que existo;
Sendo assim, não escrevi essa frase.

Será possível escrever ou criar uma narrativa onde nenhuma das nossas regras servem de parâmetro?
Essas tentativas de oposição sempre caem em negativas ou inversões das nossas lógicas.

Por outro lado: teria relevância ler/ver/ouvir uma narrativa que não tivesse a mínima relação com nossa realidade? ou até, isso seria inteligível?

Por exemplo: um high fantasy, ou sci-fi nos fazem experimentar lugares que nunca estivemos ou poderíamos estar, mas conferem realidade a essas dimensões. nos colocam na posição de descobridores (genericamente falando).
Mas esta perspectiva, de descobrir, já confere padrões de avaliação com a nossa lógica vigente.

É importante lembrar que não somos escravos da verossimilhança. Porque no final estamos trabalhando com representações. Tudo é possível.

"Eu penso por ele? Nunca."

Acho que mesmo o personagem não existindo, podemos pensar por ele, seja como escritor ou como leitor (em diferentes níveis).

O personagem não existe no nosso mundo, mas ele tem uma existência, assim como cada sonho, ou devaneio que criamos em nossas mentes tem uma existência. Acontece que quando tentamos "agarrar", interagir ou conviver com um sonho/devaneio ele nos escapa, ou se transforma, não criamos um vinculo.

(Tem pessoas que criam vínculos com sonhos ou com pessoas que não existem, (rs) mas isso é assunto para outro tópico sobre transtornos psicológicos.)

O personagem não existe, mas ele tem uma existência (isso é possível?).

Ele não existe no nosso mundo, não possui a mesma existência que eu ou você, mas ele existe para seus semelhantes e em seu contexto.
Eu também, posso andar com Dante debaixo do meu braço a qualquer momento, e posso acompanhá-lo nos círculos do inferno.

Do mesmo modo posso escrever sobre um personagem, o Fabu, um estudioso da literatura, contar as desventuras e aventuras dele para meus amigos, mandar uma fofóca da vida dele por e-mail e as pessoas podem rir, chorar ou me achar um chato com esse papo de Fabu.

A narrativa é a forma de atingir a existência de Fabu, de qualquer outro personagem ou pessoa, seja no mundo da literatura ou no real respectivamente.
Partindo disso, eu acredito que é possível pensar pelo personagem, pensar com o personagem, antecipar pensamentos do personagem, e o que vai confirmar ou desmentir esses devaneios vai ser a narrativa.

Então concluindo:

Personagem em sua definição pura e lógica não pensa.

Mas ao trabalhar um personagem ou ler um personagem entramos em contato com sua existência e nessa existência é permitido tudo, até mesmo, o personagem pensar.

DIOGO (Nógue) NOGUEIRA ,
é Artista Visual,
Designer Gráfico e ilustrador.

terça-feira, 1 de junho de 2010

O Personagem Pensa? Parte 2


Nesta semana o segundo tempo da discussão "O personagem Pensa?"
Já chamamos para nossa roda Umberto Eco e Descartes, além de outros autores e livros que citamos como exemplos dos personagem pensantes.
Na primeira parte da discussão os membros (eu:Diogo) e Rafael, demos argumentos para afirmar que o personagem pensa, baseando sobretudo na questão da verossimilhança, que é necessária em um texto para imergir o leitor.

O juiz apita, jogando tais palavras em campo : Realidade, Verdade, Verossimilhança e Existência.

Percebemos que começamos a discussão burlando de antemão a via do raciocino lógico.

Deixamos todo o papo filosófico de lado e refizemos a pergunta: O personagem pensa?

E a resposta mais lógica é:
Ele não pensa, ele nem existe!

Pronto, poderíamos ter encerrado a discussão por aqui e ido ler um livro.
Alguns se deram por satisfeitos e se foram.
Maaas... as palavras estavam lá prontas para se filosofar... não resistimos.

Os personagens não existem, são representações, assim como uma narrativa é a representação, nunca a coisa em si. Então o que podemos dizer da verdade ou da mentira em uma narrativa?
A verdade, como aprendemos com a história, depende sempre do ponto de vista de quem a conta.
E a verossimilhança, é ingrediente principal de uma narrativa? já que estamos falando de representação, por que não esquecer do padrão de real e criar livres?

Rafael (Rato):

Entendo seu ponto quanto a verossimilhança, principalmente a questão linguística presente aí. Em geral, concordo com esse argumento quanto a verdade e quanto a ter "cara" de verdade. Difícil ver uma possibilidade de extirpar essa parte de nós, a parte que busca a verdade e não, digamos, a mentira. A verossimilhança aparece como a mediação entre verdade e mentira, a demonstração que verdade é um valor, pois passa a dar valor de verdade a mentiras.

Adentramos no inóspito território do valor.

Bom, temos nossos olhos. A partir deles construimos as medidas que nos vão dar o sentido de verdadeiro ou falso, contudo nossos olhos já são um resultado. Não partimos de uma "tabula rasa" mas somos construídos a partir de uma série de noções providas socialmente. Procuramos na "realidade", que é nosso olhar, a base para a produção desse valor.

Deste modo, se represento a dor da perda, quem tomar contato com essa representação deverá conhecer esse sentimento, para então conseguir apreende-lo, ou seja, para dar valor de verdade a ele. Caso seja a representação de um sentimento, ou de algo que suporte apenas "sim" e não", então temos como resultado um valor de verdade. No caso de representar algo mais "concreto", como um homem, podemos ter o valor de verossimilhança, pois é possível atrelar o verdadeiro a algo que seja falso.

A importância do nosso olhar é que ele mesmo já é representação da realidade (nós não temos acesso a realidade mesma), assim a produção artística passa a ser um bigode numa mona lisa que chamamos realidade, mas que já é interpretação.

Retomo o pensamento de David Hume, o qual questiona a verdade do principio de causalidade... Ao vermos algo ocorrendo, como ao jogarmos uma maçã da janela, podemos afirmar sem dúvida que aquela maçã caiu da janela, mas não que a próxima maçã que jogarmos fará o mesmo. Assim nos habituamos a crer que o que acontece sempre continuará acontecendo sempre... Como ao vermos o pensamento sempre ligado ao Eu.

Por isso, que disse desde o início que o personagem pensa e que o problema maior é a realidade, a realidade do personagem (se ele existe) e a realidade do artista (se ele existe), que o pensamento existe é algo difícil de refutar... Assim, o pensamento do personagem existindo o faz tão real quanto eu, o Álvaro de Campos, vocês ou o Fernando Pessoa.
Voltemos com o Umberto...
Eco, tem mais alguns comentários?


Umberto (Eco):

Sobre o modelo de verdade afirmado em textos literários :
"Para muitos, essas coisas poderão parecer obviedades, mas tais obviedades (muitas vezes esquecidas) confirmam o mundo da literatura como inspirador da fé na existência de certas proposições que não podem ser postas em dúvida, com o que ele oferece um modelo de verdade, ainda que imaginário."

Sobre tomar um personagem literário como representação, ponto de referencia, uma verdade :
"Mas certos personagens literários, não todos, acabam saindo do texto em que nasceram e migrando para uma região do universo muito difícil de delimitar."

"Fazemos investimentos afetivos individuais em muitas fantasias que criamos nos nossos devaneios. Podemos realmente nos comover pensando na morte de uma pessoa amada, ou ter sensações físicas ao imaginar um contato erótico com essa pessoa"

"Teríamos então de encontrar a região do universo em que esses personagens vivem e determinam nosso comportamento, tanto que os tomamos como modelo de vida, própria e alheia, e entendemos muito bem quando se diz que alguém sofre de complexo de Édipo, tem uma fome de Pantagruel, um comportamento quixotesco, os ciúmes de um Otelo, uma dúvida hamletiana ou é um don Juan incorrigível."

Com esses trechos de Eco damos fim ao segundo tempo, o juiz marca a prorrogação. No proximos post o deradeiro (será o fim mesmo?) resultado da discussão "O Personagem Pensa?"

domingo, 23 de maio de 2010

O Personagem Pensa?



A alguns meses surgiu na lista de discussão do Fábulário a questão "O personagem pensa?" A pergunta surgiu com o Luiz, que leu um texto de Umberto Eco sobre a função da literatura.

Nesta postagem vamos mostrar o desenrolar e o resultado da discussão quase que metafísica da existência do personagem e seu pensamento.

e Começa a partida...


Luiz (Falcão):
Com a palavra, Umberto Eco:

"Podemos fazer afirmações verdadeiras sobre personagens literários porque o que lhes acontece está registrado em um texto, e um texto é como uma partitura musical. É
verdade que Anna Karenina se suicida, assim como é verdade que a "Quinta Sinfonia" de Beethoven foi escrita em dó menor (e não em fá maior, como a "Sexta") e se inicia com "sol, sol, sol, mi bemol". (...)"

Daí para admitir que o personagem pensa é um passo!

Rafael (Rato) :
Acho que ele não está defendendo que o personagem pensa, mas que podemos falar verdades sobre personagens (que não existem)...

Isso ao menos mostra que coisas, as quais estão em torno do personagem, podem ser verdadeiras. Talvez perfazendo um mundo e dando esse valor de realidade ao pensamento do personagem.

Mesmo assim acho que a discussão é um pouco vazia se não soubermos o que estamos chamando de pensamento, pois parece que personagem já temos claro...

Será que os personagens ainda pensam?


Segundo Descartes (1596-1650),"a essência do homem é pensar". Por isso dizia: "Sou uma coisa que pensa, isto é, que duvida, que afirma, que ignora muitas, que ama, que odeia, que quer e não quer, que também imagina e que sente".

F
oi ele também quem disse: "Penso, logo existo"


Pode se considerar pensamento a ação dos nossos neurônios em receber e transmitir estímulos, seja para nossa movimentação, ou sensação.

Mas a palavra pensamento, na verdade carrega consigo várias outras funções do nosso cérebro, tais como :Imaginação, raciocínio, atenção, percepção, memória e juízo.

"A essência do homem é pensar", a característica principal que transferimos a um personagem.
Rafael (Rato):

Um personagem como o Rodia do Crime e Castigo pensa e podemos dizer com uma veracidade nem sempre encontrada em pessoas, mas isso me parece bem conectado a "lírica" própria do texto.

(...)Nós conseguimos ver uma relação de causa e efeito operando e por isso algumas vezes podemos até antecipar estes pensamentos.
O personagem pensa assim, porque suas ações transmitem a nós alguma familiaridade, elas nos transmitem verossimilhança mesmo quando estão colocadas distantes da verdade.

Existem outras questões, por exemplo o Drácula, que é escrito em diários. Nesse caso o pensamento dos personagens é a única história, não há livro sem que os personagens pensem e por isso há comunicação total do personagem com o leitor.

Outra possibilidade fácil é o abuso desta questão dentro da narrativa, o que é feito na "literatura contemporânea". Vemos personagens que não só pensam, mas o fazem de um jeito quebrado, por diversos motivos... Problemas mentais, vivencias únicas, estranhamento do trabalho, ou apenas pelo rumo incomum da história... Nesses a mágica fica por parte de eliminar de vez a verdade e trabalhar com uma verossimilhança tênue.

Eis que entram em jogo a verossimilhança, a verdade e a representação do pensamento.

Nós, como leitores, entramos em contato com o pensamento do personagem ou do escritor?

e como escritores, pensamos pelo personagem, somos o personagem?
Diogo (Nógue):

Enquanto está se construindo a personagem, desenvolvendo sua índole, seu caráter, dando-lhe qualidades, ferramentas, ela automaticamente vai ganhando uma certa autonomia.

Ao colocar essa personagem em determinado contexto é esperado que ela tenha determinadas
ações. e é nesse ponto que alguns escritores, no mínimo desatentos, tiram a verossimilhança de uma ação da personagem e tira a "magia" ou imersão do livro.

Uma tática para tornar a personagem um gênio que sempre tem resposta pra tudo é colocar diante dele um problema que o leitor ou qualquer outra pessoa normalmente não teria a solução. mas você como autor tem a resposta desse problema e vai adicionar ao personagem um conhecimento, qualidade ou ferramenta extremamente necessária para solucionar o problema em questão.

Até então o leitor (as vezes nem o escritor) imaginava que a personagem era capaz de tal ato, mas o contexto exigiu um desafio que é vencido abrindo na personagem portas desconhecidas.
Exemplos disso são o Sherlock Holmes, o seu antecessor Auguste Dupin, e seu filho mais novo (e menos dotado literariamente falando) Robert Langdon, e até o famoso MacGyver (também conhecido como Magaiver hehe )

As vezes um escritor que não leva em conta o pensamento do seu personagem acaba o levando a ações descabidas para chegar em um objetivo pré-definido.

Acho que tudo começa no princípios básicos da nossa realidade : Pessoas pensam para executar ações, e o leitor transfere isso para o personagem que mesmo tendo sua existência apenas no papel, por ter características humanas, se enquadra na regra.
é papel do escritor corresponder a essa regra, ou dar suporte para quebrá-la.



Termina o primeiro tempo:
Até aqui o time dos apoiadores do Personagem pensante ganhou, mas nem todos concordam com isso. Na próxima postagem o jogo continua, e faremos uma lobotomia em campo.

sábado, 15 de agosto de 2009

Iberê Camargo, O Duplo.



Iberê Camargo (1914 -1994) foi um pintor e gravurista brasileiro de grande importância na arte moderna. Para saber mais sobre o artista visite o site do Instituto Iberê Camargo.
Sua carreia e reconhecimento é de dar inveja a muitos artistas, mas este post tem como foco um outro lado do pintor: a escrita.
Além de artista, Iberê também lecionou e chegou a Doutor em sua carreira acadêmica, publicando artigos, livros sobre gravura e também um livro de contos "No Andar do Tempo: 9 contos e um esboço autobiográfico" em 1988, posteriormente em 1998 (quatro anos após sua morte) foi lançado seu segundo livro de contos, ou melhor : sua autobiografia, intitulada "Gaveta dos Guardados" (parte deste disponível no Google Books).

Iberê era um amante da literatura, e escrever era parte da sua vida, assim como sua vida sempre fez parte de suas obras. Nas diferentes fases de sua pintura ou na gravura, existia a busca de apreender memórias e sensações de seu passado.
Um grande responsável por uma nova mudança em suas pinturas foi o incidente no inicio da década de 80, quando Iberê mata a tiros um homem que o agrediu. Este episódio modificou sua pintura e sua vida. um peso que o artista carregou até sua morte.

Esses e outros episódios de sua vida são relatados em "Gaveta dos Guardados" como pequenos contos ou textos soltos.
"Gaveta..." é um misto de memória e ficção, e algumas vezes não é possível saber quando começa um e termina o outro.
A narrativa de Iberê nos leva a outro mundo, sua escrita enriquece seus momentos trazendo uma magia e uma sedução que só as lembranças do passado possuem.
Mais que uma biografia, "Gaveta dos guardados" também é um livro sobre pintura, contos e sobre a vida.

O conto que se segue tem uma estranha natureza, pois ao mesmo tempo em que possui uma aura de ficção, também é uma memória. Seus elementos principais já serviram de inspiração a outros escritores: de Edgar Allan Poe a Jorge Luis Borges.
Porém, justamente por ser um livro autobiográfico e pelo conto em questão ser tratado como uma memória de Iberê, este ganha uma estranha aura.
Podemos enxergá-lo como uma metáfora, ou apenas um recurso para dar corpo a uma idéia, aceita-lo como verdade não é a questão, mas sim apreciar este pequeno relato como um dos diamantes mais preciosos de uma vida.


O Duplo

Sentado num dos primeiros bancos do ônibus número 15, Praça São Salvador - Rio Comprido, vejo surpreso, e logo com crescente espanto, minha imagem refletida no retrovisor, com traje e movimentos que não são meus. Para afastar a possíblilidade de uma alucinação, faço, como prova, exaustivos gestos propositadamente exagerados, que a imagem refletida não repete.
__ Um sósia? Mas esse é semelhante, jamais idéntico.
Meu desassossego, meu espanto crescem.
O outro, com roupa e movimentos diferentes, permanece tranquilo, impassível, alheio à minha presença e parece nem se importar em ser réplica.
__ Ele não me terá visto? Impossível, estamos próximos. Ele talvez ocupe um assento a minha frente. Não sei.
A Ideia do indivíduo de ser dois apavora.
Já agora preso de um terror incontrolável, Sôo a campainha do coletivo e desço precipitado, sem olhar para trás, sem sequer ousar localizá-lo : falta-me coragem para ver o outro que vive fora de mim.


DIOGO NOGUEIRA ,
é Designer Gráfico e ilustrador,
estudante de Artes Pláticas
no Unicentro Belas Artes

sexta-feira, 1 de maio de 2009

As Tentações, ou Eros, Pluto e a Glória

Dizem que a primeira história que esboçou algo semelhante a um pacto demoníaco foi a tentação de Cristo no deserto, quando o demônio mostra todos os reinos da terra e diz "tudo isso te darei, se me servires". Se, por um lado, a história de Fausto mostra alguém que teria aceitado essa proposta, não faltam narrativas onde os protagonistas tomam a mesma atitude que Cristo: rejeitam a tentação.

No seu livro O Spleen de Paris (mas conhecido como Pequenos Poemas em Prosa), Baudelaire dedica um dos poemas, "As Tentações, ou Eros, Pluto e a Glória", a essa temática, mas de um jeito bastante renovado por sua poética. Resolvi traduzir o poema, que vocês podem conferir abaixo.


Gravura de Almery Lobel-Riche, feita em 1921 para uma edição de Spleen de Paris.

Dois soberbos Satãs e uma Diaba não menos extraordinária subiram noite passada a escada misteriosa por onde o Inferno toma de assalto a fraqueza do homem que dorme e se comunica em segredo com ele. E eles vieram se postar gloriosamente diante de mim, de pé, como sobre um estrado. Um esplendor sulfuroso emanava dessas três personagens, que se destacavam assim do fundo opaco da noite. Eles tinham um ar tão orgulhoso e tão cheio de dominação, que eu tomei primeiramente todos os três por verdadeiros Deuses.  

A aparência do primeiro Satã era de um sexo ambíguo e ele tinha também, ao longo das linhas do seu corpo, a moleza dos antigos Bacos. Seus belos olhos langorosos, de uma cor tenebrosa e indecisa, lembravam as violetas ainda carregadas dos pesados choros da tempestade, e seus lábios entreabertos caçarolas quentes, de onde exalava o bom odor de uma perfumaria; e a cada vez que ele suspirava, insetos almiscarados se iluminavam, esvoaçando, pelos ardores de seu sopro.

Em volta de sua túnica de púrpura estava enrolada, à maneira de um cinto, uma serpente luminescente que, com a cabeça erguida, voltava langorosamente em direção a ele seus olhos de brasa. Nesse cinto vivo estavam suspendidos, alternando com frascos cheios de licores sinistros, brilhantes facas e instrumentos de cirurgia. Na sua mão direita ele tinha um frasco cujo conteúdo era de um vermelho luminoso e que tinha por etiqueta estas palavras bizarras: “Bebei, esse é meu sangue, um perfeito cordial”; na direita, um violino que lhe servia, sem dúvida, para cantar seus prazeres e suas dores e para espalhar o contágio de sua loucura nas noites de sabá.

Nos seus tornozelos delicados arrastava alguns anéis de uma corrente de ouro rompida, e quando o desconforto em que isso resultava o forçava a baixar os olhos contra a terra, ele contemplava vaidosamente as unhas de seus pés, brilhantes e polidas como pedras bem trabalhadas.

Ele me olhou com seus olhos inconsolavelmente magoados, de onde fluía uma insidiosa ebriedade, e ele me disse com uma voz cantante: “Se você quiser, se você quiser, eu farei de você o senhor das almas, e você será o mestre da matéria viva, mais ainda que o escultor o pode ser da argila; e você conhecerá o prazer, renascido sem cessar, de sair de você mesmo para esquecer-se em outro e de atrair as outras almas até confundi-las com a sua.”

E eu lhe respondi: “Muito obrigado! Não tenho o que fazer com essa tralha de seres que, sem dúvida, não valem mais que meu pobre eu. Mesmo que eu tenha alguma desgraça ao me lembrar, eu não quero esquecer nada, e mesmo se eu não te conhecesse, velho monstro, sua misteriosa cutelaria, seus frascos equívocos, as correntes pelas quais seus pés estão enredados são símbolos que explicam muito claramente os inconvenientes da sua amizade. Guarde seus presentes.”

O segundo Satã não tinha nem aquele ar ao mesmo tempo trágico e sorridente, nem aquelas belas maneiras insinuantes, nem aquela beleza delicada e perfumada. Era um homem enorme, de um rosto gordo sem olhos, de quem a pesada barriga pendia sobre as coxas e de quem toda a pele estava dourada e ilustrada, como por uma tatuagem, por uma multidão de pequenas figuras que se moviam representando as formas numerosas da miséria universal. Havia pequenos homens descarnados que se suspendiam voluntariamente em um prego; havia pequenos gnomos disformes, magros, dos quais os olhos suplicantes pediam caridade mais ainda que as mãos tremulantes; e, depois, velhas mães portando abortos que pendiam de suas mamas extenuadas. Havia ainda muitos outros.

O gordo Satã batia com seu punho sobre seu imenso ventre, de onde então saia um longo e ressonante tinido de metal, que terminava em um vago gemido feito de numerosas vozes humanas. E ele ria, mostrando impudentemente seus dentes podres, de um enorme riso imbecil, como certos homens de todos os países quando jantaram bem demais. 

E este me disse: “Eu posso te dar o que obtêm tudo, o que vale tudo, aquilo que substitui tudo!” E ele bateu no seu ventre monstruoso do qual o eco sonoro fez o comentário de sua fala grossa.

Eu me virei com nojo e respondi “Não tenho necessidade, para a minha alegria, da miséria de alguém e eu não quero uma riqueza entristecida, como um papel de parede, por todas as infelicidades representadas sobre sua pele.”

Quanto à Diaba, eu mentiria se não confessasse que à primeira vista eu encontrei nela um estranho charme. Para definir esse charme, eu não saberia compará-lo a nada mais que aquele das mulheres muito belas já avançadas em idade que, contudo, não envelhecem mais e de quem a beleza guarda a magia penetrante das ruínas. Ela tinha um ar ao mesmo tempo imperioso e desengonçado, e seus olhos, apesar de vencidos, continham uma força fascinadora. Aquilo que mais me golpeou foi o mistério de sua voz, por meio da qual eu reencontrava as lembranças das mais deliciosas contraltos e também um pouco da rouquidão das goelas incessantemente lavadas pela aguardente.

 “Você quer conhecer meu poder?” disse a falsa deusa com sua voz feiticeira e paradoxal. “Escute”.

E ela embocou então uma gigantesca trombeta, incrustada, como uma avena, de manchetes de todos os jornais do universo, e através dessa trombeta ela gritou meu nome, que rolou assim através do espaço com o ruído de cem mil trovões, e retornou-me repercutida pelo eco do planeta mais longínquo.

 “Diabo!” disse eu, meio subjugado, “eis o que é precioso!” Mas examinando mais atentamente a sedutora virago, pareceu-me vagamente que eu a reconheci por tê-la visto brindando com alguns malandros de meu conhecimento, e o som rouco do cobre levou às minhas orelhas não sei qual lembrança de uma trombeta prostituída.

Também eu respondi, com todo o meu desdém: “Saia daqui! Eu não fui feito pra desposar a amante de certos homens que não quero nomear.”

Com certeza, com uma tão corajosa abnegação eu tinha o direito de estar orgulhoso. Mas infelizmente eu despertei, e toda minha força me abandonou. “Em verdade, eu disse para mim mesmo, seria necessário que eu estivesse pesadamente entorpecido para mostrar tais escrúpulos. Ah! Se eles pudessem retornar enquanto eu estou acordado, eu não me faria de tão delicado!”

E eu os invoquei a alta voz, supliquei-lhes que me perdoassem, prometendo-lhes me desonrar tantas vezes quanto fosse necessário para merecer seus favores, mas eu tinha, sem dúvida, lhes ofendido fortemente, porque eles jamais voltaram.



TADEU COSTA ANDRADE,
é estudante do curso de
Letras na FFLCH - USP


domingo, 18 de janeiro de 2009

"Um livro de outro mundo!"

ficção de polpa volume 2

Ficção de Polpa – Volume 2 é a segunda edição da coletânea que, inspirada nas antigas pulp magazines do início do século XX, reúne contos de ficção especulativa de novos autores, em sua maioria. Com organização de Samir Machado de Machado, Ficção de Polpa teve sua primeira edição lançada em 2007. Enquanto no Volume 1 os contos presentes se aproximaram mais do horror, com narrativas tensas e viscerais, o Volume 2 é mais dedicado à Ficção Científica. Nesta edição, paira no ar a crescente solidão e “uma certa melancolia”.

A citação de Bradbury, logo no início do livro, só poderia ser um feliz prenúncio. Características do universo ficcional do autor americano surgem com frequência em diversos contos da coletânea, alguns em maior dosagem que em outros, ao passo que falam de ausência, saudade e memória, da não-linearidade do tempo.

Impossível não lembrar de A Hora Zero, conto da década de 40 de Bradbury. Se em A Hora Zero, os alienígenas invadem a terra com a ajuda de astutas e bem organizadas criancinhas, em Visitas a presença alienígena surge por intermédio de um walktalk paraguaio, presente que Rafael ganha do pai na véspera de seu aniversário de 8 anos. Embora se passe o interior do Rio Grande do Sul, o cenário de desolação que é o quintal da casa de Rafael, com mesas de plástico sobre a grama molhada, cairia muito bem nas pequenas cidades que povoaram a infância de Bradbury em Illinois.

Olhar para o passado sempre acaba por trazer um tanto de melancolia. Em Traz outro amigo também, de Yves Robert, um detetive aceita um caso dificílimo: encontrar o amigo imaginário, desaparecido há anos, de um cliente de sanidade duvidosa. Pois bem: não haveria curiosa semelhança entre a saga deste detetive, tendo que interrogar um punhado de “miúdos” e interagir imaginariamente com seus respectivos amigos invisíveis a fim de encontrar Cornélios, o desaparecido, e as aventuras de Charlie e o Coronel Stonesteel em A autêntica múmia egípcia feita em casa, de Bradbury? Não seriam a solidão e o marasmo do pacato detetive idênticos ao clima de vazio que reinava em Green Town antes das aventuras arqueológicas que a dupla de Bradbury simulou justamente para a arrancar a vida da “ociosidade mórbida” na “cidade mais comum, ordinária, medíocre e chata de toda a eterna história dos impérios”? As duas histórias, enfim, parecem trazer uma centelha de salvação.

Mas nem só de vespertina melancolia é feito o Ficção de Polpa 2. Em Cura-te a ti mesmo, de Carlos Orsi, um jovem recém formado em medicina começa seu estágio num curioso centro de pesquisa sobre cura mediúnica. Depois que o diretor lhe apresenta as recentes descobertas, o jovem lamenta não ter respondido com sinceridade a pergunta que lhe foi dirigida logo no início sobre sua convicção religiosa. Logo o ex-seminarista se confronta com suas próprias crenças e dúvidas, levando-o a tomar medidas precipitadas. O formato conto funciona muito bem nas mãos do veterano Orsi e a temática científica-esotérica é trabalhada de maneira bastante criativa.

Outros contos poderiam ser largamente abordados por aqui, mas não sem arcar com a ira dos leitores que não conseguiriam terminar este texto enquanto enganam o chefe no trabalho. Portanto, finalizo dizendo que o Ficção de Polpa – Volume 2 é promessa de textos divertidos e de qualidade. E a Não Editora parece ser um “sinal de inteligência vindo de um longínquo sistema solar”.

Quebre o cofrinho e adquira o livro clicando aqui.


CARA CAROLINA ,
é webdesigner e estudante
de Artes Plásticas pelo
Unicentro Belas Artes

segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

Woyzeck

Büchner não é muito conhecido aqui no Brasil. Autor alemão da primeira metade do século XIX, ele escreveu peças de teor "realista" e "social", além de estar sempre envolvido em ações revolucionárias. Apesar de sua obra ter demorado para ser reconhecida, foi extremamente influente. Entre seus admiradores estão Brecht e Orson Welles.

Woyzeck é uma das suas peças mais comentadas. É sua última obra e não foi terminada. Ela conta a história de Woyzeck, um soldado muito pobre, que é submetido a uma experiência: ele é obrigado a se alimentar apenas de ervilhas enquanto tem que prestar uma série de serviços. Isso afeta profundamente a mente do soldado.

Encenação de Woyzeck, dirigida por Larry Zappia (Foto:Drazen Sokcevic)

Em uma das cenas da peça, algumas crianças estão numa rua e pedem para a avó contar uma história. A história que ela conta me chamou a atenção e eu decidi traduzir e colocar aqui no blog. Aqui está:

Avó:
Venham rapazinhos! Era uma vez uma criança pobre e ela não tinha pai nem mãe, todos estavam mortos e não tinha mais ninguém no mundo. Todos estavam mortos e ela andou e procurou dia e noite. E, uma vez que não tinha mais ninguém na terra, ela foi para o céu e a lua olhou para ela tão amigavelmente e quando ela finalmente chegou na lua, a lua era um pedaço de madeira podre. E então ela foi para o sol e, quando ela chegou no sol, ele era um girassol murcho. E quando ela foi para as estrelas, elas eram umas moscas douradas pequenas, que estavam espetadas, como o esmerilhão as espeta nas ameixas. E quando ela foi de novo para a terra, a terra era um vaso destruído. E ela estava completamente sozinha. E lá ela se sentou e chorou, e lá ela está sentada e está chorando ainda.


Mais sobre Büchner: http://pt.wikipedia.org/wiki/Georg_Büchner

Lista de traduções de suas peças para o português (e também de outros autores alemães): http://volobuef.tripod.com/bibliotrad_teatro.htm

Mais fotografias da encenação dirigida por Larry Zappia: http://laryzappia.tripod.com/id15.html


TADEU COSTA ANDRADE,
é estudante do curso de
Letras na FFLCH - USP

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Areia nos Dentes

areia nos dentes

Areia nos Dentes, primeiro romance do porto alegrense Antônio Xerxenesky, nos foi dado de presente numa noite chuvosa do mês de agosto, devidamente autografado por seu autor. Aqueles que tiveram a oportunidade de ver um livro autografado por Antônio já se depararam com sugestivos desenhos: o meu exemplar vem com um polvo sorridente denominado “Cthulhu feliz”, para que não houvessem dúvidas de sua procedência.

Levei para casa, como promessa, um livro de faroeste com zumbis. Weird Western com experimentações pós-modernas e fanfarronices metalinguísticas. Um pastiche que não faz você rolar de rir, mas deixa no ar um clima de absurdo. Ok, o livro não ficou a dever nenhum destes elementos. Mas se olharem a fundo, com atenção, sem piscar uma só vez, vão notar que Areia nos Dentes é uma história sobre o porão dos Marlowes.

Martin Ramirez, o filho bom e corajoso do clã dos Ramirez, arrisca sua vida numa noite trêmula tentando descobrir o que raios havia no porão dos Marlowes. Uma bala súbita, vinda só Deus sabe de onde, quase o atinge. Martin foge, corre pelas areias de Mavrak, chega são e salvo em casa. Na manhã seguinte, é encontrado morto com uma bala cravejada nos intestinos. Assim começa a história contada por um filosófico senhor mexicano chamado Juan, a história de seus antepassados.

O livro segue alternando hora para o velho mexicano, seus copos de tequila e sua inquietação diante da distancia afetiva do filho, hora para a história dos Ramirez e dos Marlowes, envolvendo intrigas e duelos em Mavrak, mulheres desinibidas, um xerife forasteiro e alguns mortos-vivos. Assim como Juan, o leitor percebe não se tratar apenas de um faroeste excêntrico, e sim uma história sobre pais e filhos. Sobre o medo do novo (as terríveis metralhadoras que habitariam o porão dos Marlowes ou o computador que corrompe parte do texto de Juan com um vírus?) e o medo na noite.

Ficamos sem saber o que há de tão misterioso no indevido porão, assim como não sabemos quem atirou em Martin e nem com quantos homens Vienna dormiu enquanto seu namorado estava viajando. Um pacto foi quebrado: aquele que, em letras miúdas, obriga o narrador a não deixar pontos sem nó e, ao final da história, colocar tudo em pratos limpos. O porão dos Marlowes permanece escuro como a noite, para que os leitores possam “preenchê-lo com os recantos mais escuros de suas próprias almas".

Saiba como adquirir o livro aqui.

CARA CAROLINA ,
é webdesigner e estudante
de Artes Plásticas pelo
Unicentro Belas Artes

terça-feira, 30 de dezembro de 2008

O Ano Cógnito

terra incognita

Vocês vão ter que nos engolir.

Mas vão gostar.

Assim termina o editorial da 1º edição da revista de ficção científica Terra Incógnita, organizada por Jacques Barcia e Fábio Fernandes e lançada em setembro de 2008. Até agora, são 4 edições que podem ser baixadas gratuitamente (em PDF) no blog. Nomes como Bruce Sterling, Jeffrey Thomas e Charles Stross surgem em entrevistas, contos e artigos. Não faz idéia de quem sejam os caras? Nem mesmo o Sterling? Sem problemas, isto estava na previsão dos ousados editores e só dá mais um motivo para que a revista seja lida. Além dos figurões internacionais, o leitor encontra contos de autores nacionais, alguns bastante inovadores. O que? Leu o conto e não entendeu patavinas? Ótimo. Proferem os editores na 2º edição: A ficção científica no Brasil andou por muito tempo acomodada, dentro de uma zona de conforto crepuscular (uma twilight comfort zone, poderíamos dizer) onde reinaram os contos-clichê, as histórias de viagem no tempo onde alguém sempre viaja para impedir que alguma coisa aconteça, e as velhas histórias de final-surpresa (surpresa que só surpreende quem nunca leu nada do gênero), do tipo ‘e ele era um robô’.

Se isso te pareceu uma espécie de bronca, espere só para ver o próximo: Sim, claro, sabemos que você mostrou um conto a todos os seus amigos, sua namorada, seus pais, seu cachorro e o periquito, e todo mundo disse que era bom. Bem, lamentamos informar, mas Papai Noel e o coelhinho da páscoa não existem. Pois é, leitor incógnito. Se a bronca era direcionada, você acabou levando também. Mas o senhor já é bem grandinho e um bom exercício de interpretação vai te levar além (ou você é o tal cara do periquito?). Páginas e páginas de material literário de qualidade, momentos de diversão e agonia, autores dos quais você nunca ouviu falar mas que são bons pra caramba te aguardam após estes editoriais curtos e grossos. E na 4º Edição, eles nem precisaram dar bronca em ninguém.

Acesse o blog e confira as bordoadas.

Ou, se preferir, baixe diretamente os PDFs aqui:

#01 #02 #03 #04

CARA CAROLINA ,
é webdesigner e estudante
de Artes Plásticas pelo
Unicentro Belas Artes

segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

A Não-Crítica

Cadernos de Não-Ficção

A Não Editora sempre a surpreender. Vencedora do 15º Prêmio Açorianos de Literatura na categoria Destaque Editora, a Não lança a publicação on-line Cadernos de Não Ficção. A idéia surgiu com a morte recente de David Foster Wallace, escritor norte-americano. Vendo que havia pouco ou quase nada publicado a respeito de Wallace no Brasil, o editor Xerxenesky resolveu unir forças para publicar um dossiê sobre o autor. Estes textos reunidos somados a outros sobre literatura contemporânea compõem o “volume” de quase 90 páginas. Entre os livros resenhados estão: Meridiano Sangrento, deCormac McCarthy; Fools Crow, de James Welch; e um ensaio caprichado sobre Mãos de Cavalo, de Daniel Galera. O projeto gráfico, como sempre, é de deixar muitos impressos no chinelo.

Sugestão: antes de começar a ler, compre um daqueles velhos protetores de tela, porque você não vai querer desgrudar os olhos das colunas virtuais. Ou imprima (“por sua própria conta e risco”).

Versão em pdf.

Ou se você prefere algo mais mimético...

CARA CAROLINA ,
é webdesigner e estudante
de Artes Plásticas pelo
Unicentro Belas Artes

quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

Crítica morta e enterrada?

Relato da mesa “As Forma de Crítica” do Seminário Rumos Literatura 2007-2008

O Prof. Samuel Titan, na última das mesas do Seminário Rumos Literatura 2007-2008, revela ter ficado irritado quando soube que o seminário ocorreria em dezembro, próximo das festas de fim de ano, crente que poucas pessoas viriam. Para o feliz engano de Titan, a Sala Itaú Cultural de mais de 200 lugares estava quase lotada.

Não pude frequentar todas as mesas. Para começar, cheguei atrasada em Atualidade de Erich Auerbach e, não sei se pelo meu atraso, pelo meu conhecimento vago ou nulo do autor em questão ou pela tradução simultânea em que as vozes bilíngues se misturam numa suave canção de ninar, esta mesa não foi muito proveitosa. Outra mesa, Atualidade de Machado de Assis (não, nem tudo era sobre a atualidade de alguém, embora fosse até pertinente num seminário que se intitula Rumos) foi deveras proveitosa, mas dizer qualquer coisa sobre ela parece chover no molhado diante da fala exuberante do Prof. João Cezar com seu sotaque londrino-carioca. Resta-me, portanto, falar sobre o doloroso assunto que é a crítica literária no Brasil.

A mesa As Formas da Crítica, mediada por Lourival Holanda, reuniu no palco dois críticos literários de peso: Silviano Santiago, do alto dos seus 70 e poucos anos, e Flora Süsskind. Silviano pontuou sua fala com a imagem do crítico-criador, ou seja, o ficcionista que também é crítico e/ou o crítico que também é ficcionista. Segundo Silviano, o mercado pós-moderno de literatura rejeitara a produção do artista-crítico. Atuar nos dois campos seria um tanto constrangedor de se confessar para um professor, por exemplo, mas não para um médico ou para um jogador de futebol (sutil cutucada em alguns). Pensando depois a respeito, não consegui encontrar nenhum caso de professor-crítico-ficcionista-documentarista-ensaista que fosse marginalizado pelo fato.
Pelo contrário: são fartos os casos de professores famosos (e “queridos”) por terem publicado ficções e ensaios. Talvez Santiago traga mágoas de outras eras...

Flora Sussekind levou a conversa a outros rumos. Comparou ficção e ensaio em termos de forma, definindo a relação entre ambos em três casos: o dobro do idêntico, em que ensaio e forma acabam sendo a mesma coisa; antagonismo de formas; e tensão de campos que não se consuma plenamente. Para cada, qual Flora exemplificou pertinentemente com A Novel of Thank You, de Gertrude Stein, Um teto todo seu, de Virginia Woolf e o conto A tarde de um autor, de Fitzgerald. Caberia aqui uns 5 parágrafos para destrinchar estes exemplos, mas vou pular para chegar logo a parte que nos toca.

As perguntas da platéia vieram com força. Houve, de início, um embate entre os palestrantes sobre a ficcionalização da crítica. Flora teimou em aceitar que de fato havia uma nova forma de crítica, a ficcionalizada que, em contraposição ao bom e velho estruturalismo crítico, estaria vigorando de vento em popa, e “em liberdade”, como citado pelo mediador Lourival Holanda. Outras perguntas vieram e deram a Flora a oportunidade de desvelar toda a sua descrença sobre a crítica nacional atual: haveriam pouquíssimos veículos dedicados a fazer crítica de verdade; toda a pauta destes veículos já seria predada (ou pré-dada, na norma antiga), de forma que é possível adivinhar o que vem a frente antes mesmo de abrir o Caderno 2; os correntes jornais acadêmicos seriam mal diagramados e de conteúdo maçante e doloroso; conteúdo publicado na internet se resumiria a uma “ação entre amigos”, pouco especializada e nem sempre pertinente (ops!). Silviano e Flora ressaltaram ainda que no New York Review of Books e na New Yorker ainda era possível encontrar alguns textos bons. Outras questões foram levantadas e ficaram em aberto: existe ainda algum veículo/crítico capaz de lançar um escritor (a la mode do crítico de arte moderna Greenberg, grã-padrinho da arte moderna norte-americana até a chegada da pop-art)? Prêmios vendem livros? As respostas, obviamente, ficaram para uma próxima reencarnação do tema.

O final de mesas de debate como esta sempre me leva a pensar sobre a coexistência do título inicial e os rumos que a conversa (ou desconversa) levou. Neste caso, fica a impressão de que, se algum dia houve alguma forma de crítica que se dê ao respeito, poucos ficaram vivos pra contar a história.

CARA CAROLINA ,
é webdesigner e estudante
de Artes Plásticas pelo
Unicentro Belas Artes

terça-feira, 27 de maio de 2008

O amigo do meu amigo é meu inimigo (?)

Me surpreendi quando entrei, por estes dias, no blog do Fernando Trevisan. E foi uma boa surpresa. Ainda sobre resenhas negativas! e texto anterior Sobre resenhas negativas. Os textos falam sobre como os autores recebem críticas dirigidas a seu trabalho.

O assunto é recorrente desde o início nas reuniões do nosso grupo - antes de qualquer texto entrar para o fanzine, ou assim que ele termina de ser produzido, uma saraivada de críticas é disparada de todos os lados pelos outros membros do grupo, sem piedade. Nem tudo é aproveitado pelo autor (é claro, graças a deus). Me senti um pouco identificado com a postura expressa pelo Fernando. Um pouco.

A postagem dele sobre o assunto me lembrou um artigo do Marcelo Simão Branco que eu havia lido, há algum tempo. Ele fala sobre o que está convencionado chamar por aí de "fandom", mais especificamente, ao que parece pelo contexto do artigo, de um grupo específico inserido nesse cenário:

"(...) O problema é que esta comunidade, a título de se defender do mundo externo, digamos assim, meio que se enquadrou numa espécie de guetto, por vezes com atitudes pouco profissionais, nos quais a atividade da crítica, por exemplo, tem sido severamente desestimulada, quase como se fosse um ambiente de patota, dos amigos que escrevem e não podem ser francos uns com os outros para não ferir suscetibilidades. Outro problema, decorrente em parte deste é a falta de pressão para se escrever melhor, porque não existe um cenário profissional que estimule a competição entre os autores por textos e histórias de melhor qualidade. Ou seja, é uma comunidade que passou a gradativamente desestimular um desenvolvimento artístico mais maduro e profissional."

- Marcelo Simão Branco, no artigo Por que a Ficção Científica Brasileira é invisível e marginalizada?

Não tem desculpa. Sem crítica não há desenvolvimento do trabalho - de qualquer trabalho. O sujeito que não quer ouvir crítica, que só quer regozijo, não quer mudar o que escreve, talvez não esteja nem muito interessado no que escreve afinal.

E com a não-crítica institucionalizada fica difícil colaborar para um cenário com melhor qualidade (seja de produção, seja de compreensão e discussão acerca dos temas e objetos literários). Uma profusão de textos resenhísticos, muitas vezes releases de textos de orelha que não fazem mais do que uma propaganda de comercial nivelam por baixo o circuito da literatura fantástica e congêneros. Para quem produz resenhas ou textos reflexivos sobre a produção desses grupos é um alívio ver-se em um contexto no qual os autores não o odiarão por ser sincero.

E o sistema, se continuar institucionalizado assim, não poupará ninguém. Se ele perdurar, restará ignorar o que não consideramos e super-valorizar (para equilibrar a balança) aquilo que nos é de apreço.

Por aí parece que é diferente, mas para mim é frustrante. Quanto as pessoas dizem "é, está bem escrito" ou o maldito "gostei, legal" e variantes, não adianta nada, isso é ponto comum. Certa vez ouvi um escritor dizer que ficou emocionado, realizado, quando viu o primeiro perfil fake de Orkut com o nome de um personagem do livro dele. Não sei o que passa pela cabeça desse escritor, mas eu não consigo ver nada de bom nisso.

quarta-feira, 19 de março de 2008

O Pacto e sua Conseqüência Social

Esta postagem foi revisada no dia 19 e abril de 2008, após a contribuição do leitor Fernando Trevisan - http://fernandotrevisan.com.br/

É difícil ou mesmo impossível que todas as histórias sobre pactos com demônios tenham absolutamente as mesmas características, do contrário seriam cópias umas das outras. Do mesmo modo, são tantas as variações colocadas nesse mito que enumerar e comentar cada uma delas seria bem difícil. Contudo, embora certas características não façam parte de cada uma das versões já inventadas para o mito, elas comparecem em um número razoável para serem levadas em consideração.


Um pequeno e significante grupo de histórias mostra isso de forma interessante: Fausto de Goethe, A Maravilhosa História de Peter Schlemihl de Chamisso e Crime e Castigo de Dostoiévski. Não pretendo pensar nas possíveis influências que uma obra poderia ter tido sobre a outra, o que seria bem difícil nesse espaço, mas só olhar algumas coisas que podemos perceber quando lemos.


Nas três histórias, uma personagem tem contato com uma situação de caráter profano e, a partir dessa ação, vê seu destino alterado completamente. Esse conflito interno seria suficiente para dar base aos enredos, contudo, não é isso o que acontece. A ação das personagens não somente gera uma convulsão dentro delas mesmas, mas joga-as para outros lados que ultrapassam o espaço individual.


Image:Walpurgisnacht.jpg
Kupferstich von W. Jury, depois de Johann Heinrich Ramberg - Walpurgisnachtszene aus Faust 1 (1829)
Fausto entre bruxas, demônios e outros seres marginais na cena "Noite de Valpúrgis"

Em Fausto, logo que cerra o acordo com Mefisto, a personagem sai da realidade comum da cidade em que vivia (com jovens, moças, velhas e camponeses) e vai para outra, onde reinam todo o tipo de figuras marginais e subversivas: bruxas, demônios, fantasmas etc. O auge dessa relação é a famosa cena da "Noite de Valpúrgis" quando Fausto participa do que seria o maior festival de bruxas. Também, pela relação com demônio é levado (mesmo que involuntariamente) a causar a perdição da jovem Margarida (a quem desvirgina) e ao assassinato da mãe e do irmão desta. Posteriormente, na segunda parte da tragédia, saindo desse choque com a “pequena” sociedade, Mefisto carrega Fausto também para o lugar da alta política (a corte do Imperador) onde, por sua ação, milhares de convulsões acontecem: fome, guerras civis etc.


Já em A Maravilhosa História de Peter Schlemihl a personagem que dá nome ao livro dá sua sombra a um misterioso sujeito vestido de cinza em troca de uma bolsa que tem infinitas moedas de ouro. Aqui, diferentemente de Fausto, a personagem não chega a cometer crimes ou partilhar a companhia de criaturas demoníacas, mas estranhamente sua própria condição o afasta do meio do qual gostaria de participar. O fato de ser um homem sem sombra causa horror e desprezo nas outras pessoas e a personagem é “condenada” a jamais ter o contato social novamente. O que a sombra representa realmente ainda é muito debatido, apesar disso, uma coisa parece provável: a personagem perde o que tudo na sociedade e natureza possui - a sombra - e dessa forma é apartado e levado à solidão plena.


Finalmente, na mais diferente das três obras, Crime e Castigo, o miserável estudante Raskolnikóv resolve cometer um ato e, através dele, tornar-se um homem extraordinário, igualável a Napoleão. Ele resolve assassinar uma ávara usurária e, através desse ato, passar por cima da moralidade daqueles que considera “pusilânimes” e “ordinários”, pactuando com uma ética superior. No entanto, durante o ato, Raskolnikóv acaba por matar também a inocente irmã da usurária, que testemunha o crime, e, desde o duplo assassinato, passa a ser consumido pela culpa e pelo medo de ser descoberto. Ele coloca-se então numa situação de choque com a ordem, representada pelo policial Porfíri. Participa também da realidade de toda sorte indivíduos marginalizados, não demônios como em Fausto, mas prostitutas, bêbados e miseráveis.


São três enredos com motivos e objetivos diferentes, é evidente, como exemplo, poderíamos observar que Fausto jamais atinge tamanho grau de culpa e auto-crítica como Schlemihl e Raskolnikóv. Contudo, uma coisa fica bastante clara: em algumas histórias (algumas das mais importantes do “gênero”) o pacto – com uma entidade, idéia ou ato profanos – não parece apenas gerar problema para a consciência e salvação individual daquele que o realiza, mas também tem o caráter de uma energia poderosa o suficiente para arrastá-lo com força contra as estruturas da sociedade, levá-lo aos limites da ordem da qual ele participa ou mesmo lança-lo acima desta, colocando em suas mãos o caminho de toda a humanidade.


TADEU COSTA ANDRADE,
é estudante do curso de
Letras na FFLCH - USP

quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

Fabulário #2 - Relações Faústicas

Já começou o processo de produção do Fabulário número dois. Desta vez, optamos por fazer um fanzine temático e, ao que tudo indica, seguiremos essa linha de agora em diante, nos outros números.

O tema escolhido foi "relações fáusticas", do qual uma das inspirações foi certamente o artigo sobre o assunto do nosso colaborador Filipi Andrade no Fabulário #1. A idéia é explorar todas as possibilidades que oferece o tema, partindo sim do famoso pacto demoníaco feito por Fausto, mas tentando atingir os possíveis desdobramentos desta relação, que pode ir além de "uma história em que um homem associa-se ao demônio".

Ainda não existe data prevista para o lançamento do novo número, no entanto, enquanto isso, acompanhando nossas pesquisas, colocaremos aqui alguns posts sobre o assunto.

TADEU COSTA ANDRADE,
é estudante do curso de
Letras na FFLCH - USP

segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

Raio X - Fabulário Fanzine #1

Ilustríssimos amigos! Quase desaparecemos tragados pelas festas de fim de ano! Mas ainda estamos aqui! E prontos para começar 2008 com tudo!
Fabulário Ed 1

FABULÁRIO #1 - 20pgs

Editorial: Motivação, escritores, expediente.

Da arte de Contar Verdades: por Paula Betereli, resenha do livro de Italo Calvino, Cidades Invísiveis.

Fábulas: por Tadeu Costa Andrade, introdução e contextualização sobre as fábulas de Esopo.
Os Bens e os Males: 1° Fábula de Esopo, traduzida diretamente do grego arcaico por Tadeu Costa Andrade. A tradução é seguida por uma releitura, também de Tadeu.
O vendedor de estátuas: Segunda Fábula de Esopo. Tradução do grego arcaico e releitura, por Tadeu Costa Andrade.

Ela...: história curta com ares infantis e macabros. Por Joyce Nicioli.

O grande criador de Pactos, o Diabo: revisão panorâmica das grandes obras da literatura sobre o tema, por Filipi Andrade.

Lucas não lembra da Infância (Da chagada de João):
primeira parte do Folhetim de Paula Betereli.

Ensaio sobre a Longevidade:
escrito por um morto-vivo, neste ensaio bem humorado Rafael Castro explora o melhor lado do seu estilo de escrita. Apela para o bom-humor sem deixar de lado reflexões pertinentes. (!)

Boticário: conto inspirado pela antologia Ficção de Polpa enotadamente por propagandas televisivas. Por Luiz Pires.

Quadrinho: criação coletiva dos membros. Simples, curta, sem título - em verdade, gosto de pensar nela como um prolongamento do nosso editorial.


Como Adquirir!?

O Fazine Fabulário pode ser adquirido pelo correio, pelo valor de 3 REAIS (forma de pagamento a combinar). Basta enviar um e-mail com o pedido e o seu endereço para: fabulariozine@gmail.com

Também é possivel comprar diretamente com os membros, pelo preço de 1 REAL. Para saber nosso paredeiro (em eventos, palestras etc.) basta acompanhar o BLOG ou mandar um e-mail para o mesmo endereço.



LUIZ PIRES,
é webdesigner e estudante
de Artes Plásticas no
Unicentro Belas Artes

quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

Resenha do livro “Renascimento – A Lenda do Judeu Errante”, de Sérgio Pereira Couto.

Antes de mais nada, quero pedir desculpas ao Sérgio pela demora em resenhar seu livro que li com muita atenção nas minhas viagens de ônibus da casa pro trabalho de do trabalho pra faculdade e da faculdade pra casa. Sérgio, pronto e gentil, nos enviou pelo correio (e por Sedex!) seu mais recente trabalho e cabe a esta humilde webmaster de e-comercce (daí já criando um vínculo pouco afetuoso com o personagem principal) agradecer pela atenção.

capa do livro Renascimento, a lenda do Judeu ErranteO judeu errante é um personagem milenar. Talvez por isso tenha servido de inspiração e referência para tantos autores em épocas diversas: Borges em seu conto “O Imortal”, Assimov no livro “Asimov´s Guide to the Bible”, na inacabada peça “O Judeu Errante”, do português José Régio. Os exemplos parecem ser infindos. Porém, o mais recente deles parece ser “Renascimento – A Lenda do Judeu Errante”, de Sérgio Pereira Couto.

Jornalista e escritor, Couto parece ter como uma de suas virtudes a queda pelo jornalismo investigativo, aquele em que o repórter vai direto as fontes para angariar informações. Em seus romances (Sociedades Secretas e Investigação Criminal), Couto parece não ter medido esforços para levar sólidas informações aos leitores, sem aqueles deslizes embaraçosos cometidos por quem fala sobre o que não conhece.

Neste último romance, Sérgio associa o espiritismo à lenda do judeu errante – aquele que foi amaldiçoado por Jesus a permanecer na terra até sua segunda vinda -, tendo como plano de fundo a renascença. Mas não pense que a trama ocorre num passado distante. Ao explorar a temática reencarnacionista, Couto faz uso de flash backs, retornos no tempo e viagem astral para contar a história de Roger, um empresário judeu tão contemporâneo poderia ser meu gerente que se vê preso a uma rocambolesca armadilha em que os espíritos, mesmo reencarnados, não se libertam dos assuntos pendentes.

Entrar em maiores detalhes seria boicotar a eficiência com que Couto amarra sua trama complexa, recheada de elementos que vão desde hieróglifos do Egito antigo até extremismo islâmico. Partirei, porém, para uma reflexão –talvez encabida - de âmbito maior. Couto parece saber bem pra quem escreve e em que tempos, posicionamento característico de um escritor maduro e profissional. “Renascimento” adota um ar de contemporaneidade incomoda. Esqueça as bibliotecas empoeiradas. Para obter valiosas informações os personagens vão a cybercafés e consultam o Google, além de contatar informantes pelo Messenger, isto tudo em contraposição aos vilões, que fazem uso das armas sobrenaturais para se comunicar. As referências que constam nas falas das irmãs Klinger são de seriados de TV e o maior passatempo das heroínas é fazer compras. A caracterização dada no início do livro sobre Elizabeth Klinger ser bibliotecária e gostar de assuntos acadêmicos enquanto sua irmã Emile é historiadora e professora substituta na USP acabam não refletindo bem nos hábitos das moças ao decorrer da história. Além de que às vezes é difícil lembrar que Liz é noiva de Roger, de tão independente que é a relação entre os dois. Seria uma características das uniões atuais, que pregam a efemeridade?

O que dizer então da pluralidade religiosa? Na mesma história estão bem delineadas tanto a doutrina espírita quando a católica, al´me do recalcado posicionamento judaico de Roger e a lembrança perene dos atentados de 11 de setembro em Nova Iorque e de 7 de julho, em Londres. Curioso notar que são os dois freis franciscanos os personagens de maior sincretismo de crenças, referência clara as dicotomias que a Igreja enfrente na atualidade.

Reforçando a crítica ao catolicismo (mais contemporânea, impossível), Couto coloca Savonarola, monge famoso por instituir as fogueiras da vaidade na Itália renascentista, como grande inimigo de Lourenço de Médice, governante de Florença e patrono das artes na renascença. Porém, não foi enfatizado o fato de que além de queimar Boticcelis, Savonarola combatia o luxo e a vaidade tanto da nobreza estadista como da própria Igreja, sustentando um posicionamento de desapego aos bens matérias. Numa história de contornos capitalistas, o monge só poderia ser dos mais malévolos, o tal “Rasputin” do mediterrâneo.

A visão pessimista da Igreja não é novidade no contexto literário ocidental. Quem não se lembra do bispo malfeitor Bispo Manuel Aringarosa e seu discípulo semi-humano Silas em “O Código da Vinci”, de Dan Brown? Couto, de fato, apresenta esta e outras semelhanças com o a obra do best seller norte-americano. Antes de se aventurar pelo romanesco, o autor publicou livros destinados a embasar a leitura der Brown e saciar a sede dos mais aficionados. Couto revisita o universo temático de Brown ao somar o comum ao pitoresco e faz uso de uma escrita fluida o bastante para acompanhar a velocidade da diegese narrativa. Porém, Couto vai mais longe ao incorporar o elemento sobrenatural.

“Renascimento” é daqueles livros que devem ser lidos de uma tacada só. Prender o leitor do começo ao fim, embora tantas transcrições da obra de Kardec – somada a boa memória dos personagens que citam longas passagens do Livro dos Espíritos – irrite um pouco. Como bom jornalista, Couto afirma em entrevista ao site Vampirus que respeita todas as crenças e mantém o distanciamento crítico. Mas acho que, tendo o livro como espelho, a situação é reversiva. Couto escreve como quem não acredita, mas com o coração de quem acredita (ou ao menos de quem se encantou com a literatura de Kardec e a visão confortante que ela traz, em contraposição a tradição de pecados e castigos que insistimos em carregar história à frente). Terá Kardec contabilizado mais um discípulo?

Colaboraram para esta famigerada resenha:
Tadeu Costa Andrade (semi-cristão e quase padre), alguns poucos motoristas menos barbeiros do 175P e muitos motoristas vagarosos do 557C e Dona Maru, minha avó, esta sim insaciável leitora de literatura espírita.

Referências:
Vampirus, Garganta da Serpente e Giz Editorial


CARA CAROLINA ,
é webdesigner e estudante
de Artes Plásticas pelo
Unicentro Belas Artes

terça-feira, 27 de novembro de 2007

Fanzine Somnium convoca escritores

O fanzine Somnium, do Clube de Leitores de Ficção Científica, vai lançar seu novo número (101), especial de fim de ano, e busca material de escritores (contos e artigos) que envolva Ficção Científica e Fantasia. O interesse, segundo os editores, é em contos inovadores e originais, dando preferência àqueles que têm no máximo 3000 caracteres. Os artigos poderão ter maior extensão.

O material deve ser enviado para o e-mail somnium@clfcbr.org até o dia 10 de Dezembro.

A imagem “http://ficcao.online.pt/jorge.candeias/somnium84.jpg” contém erros e não pode ser exibida.
Fanzine Somnium número 84, de janeiro de 2002

TADEU COSTA ANDRADE,
é estudante do curso de
Letras na FFLCH - USP

segunda-feira, 5 de novembro de 2007

Lançamento Oficial: Fabulário #1
na II mostra de Curtas de Ilha Comprida!!!

Está confirmado!
Dia 15 de novembro, feriado da República, será lançada a edição número 1 do Fanzine Fabulário. Serão 20 páginas de conteúdo diverso, entre artigos, resenhas, contos, quadrinhos, releituras...

E não pára por aí! O palco do lançamento será nada mais nada menos que a II Mostra de Curta-Metragem Fantástico de Ilha Comprida. Apelidamos por aqui de Mostra de Curtas de Ilha Comprida (que é mais fácil de falar).

Então: o Lançamento será na quinta-feira e venderemos o Fanzine também nos próximos dois dias de Evento. Serão cinco fanzineros (pessoas corajosas que deixarão São Paulo e atravessarão uma auto-estrada em pleno feriado prolongado) a disposição de compradores e interessados!

O Fanzine será vendido pela módica quantia de 1 real.


LUIZ PIRES,
é webdesigner e estudante
de Artes Plásticas no
Unicentro Belas Artes

segunda-feira, 3 de setembro de 2007

Fabulário Blog

Fábula veio do latim "fabula", que significa história, não no sentido do estudo do passado mas sim de conto, de narrativa. Com o tempo, a palavra passou a estar mais associada às histórias de fundo moral que envolviam animais e objetos inanimados, no entanto, este não foi o único significado reconhecido. Diversas palavras que derivaram de "fábula" mostram os mais diversos significados: "fabular", contar; "confabular", mentir, "personagem fabuloso", personagem ficcional, "fabuloso", incrível, maravilhoso. A ligação maior entre as muitas faces desta palavra é a relação com o "imaginário", com o "incrível".

E o que é um fabulário senão uma coleção destas histórias, destes contos, destas narrativas fantásticas que perambulam pelo imaginário dos povos? O que é senão uma fonte de mundos e situações possíveis e impossíveis onde os homens buscam sua diversão (e mesmo sua sabedoria)?

E hoje? Morreram as histórias? Tudo já foi contado, imaginado, mentido? Ou nosso mundo é moderno demais para essas coisas? Nós achamos que não. Existem por aí contos os mais diversos, esperando para ser contados, escutados e... imaginados. Achamos, e esperamos estar certos. Se sim, alguns deles te aguardam nas páginas deste Fabulário.

Escritores, produtores e organizadores do Fanzine Fabulário