Dado que eu não consigo resenhar a tempo os filmes que estréiam e que todo mundo já viu, ouviu e falou, sigo na linha de resenhar os filmes que chegam aqui no Brasil com enorme atraso, com baixa distribuição (veja bem, em DVD, no cinema eles nem chegam...) e que, consequentemente, ninguem vê.
Resenhei para o fanzine beta o filme Mirrormask, de Gaiman e McKean. Agora é a vez de Tideland, de Terry Gilliam.
É provavel que “Os Irmãos Grimm” tenha forrado os bolsos de Gilliam o bastante pra que ele partisse para uma produção independente e despretenciosa. David Lynch começou a conceber Veludo Azul durante as filmegens de Duna. Terá ocorrido um caso parecido?
Tideland conta a história de Jeliza-Rose, uma pequena de 10 anos perdida em um ambiente desértico em condições insólitas. A criança cria em sua mente fantasias escapistas que, durante o filme, são transportadas para o mundo real. Some isso às aparições de uma taxidermista macabra e seu irmão lobotomizado e temos uma verdadeira galeria de cenas de um estranho universo infantil.
O filme foi rechaçado pela crítica, quando não simplesmente desconsiderado. Basta dar uma rodada na internet para encontrar fãs de Gilliam profundamente decepcionados, analisando os fatores psicológios que o levaram a conceber um filme tão.... infilmável!
As reclamações são variadas: falta de lógica, não-linearidade da trama, sequência de imagens bem concebidas estéticamente, mas sem solidez e, pra fechar com chave de ouro, “abordagem leviana e imprudente de temáticas chocantes” como pedofilia, necrofilia, terrorismo e drogas.
O mais curioso é o fato de elogiarem Gilliam pelo que mais os incomoda: a teimosia em ultrapassar os cerceamentos comuns do cinema norte-americano. "Grande parte das coisas que perturbaram os espectadores no filme foram trazidas por eles mesmos para a sala do cinema", disse Gilliam em resposta às críticas, acrescentando ainda que basta voltar a pensar como uma criança para o filme tornar-se “pura alegria”. Eu diria que basta se livrar das constantes injeções de moral que levamos pra dentro e pra fora das salas de cinema, os tabus e as amarras sociais. Só uma platéia totalmente anestesiada poderia afirmar que o filme não passa de um codidiano repetitivo de uma criança esquizofrênica.
O fato é que Tideland é um filme inteligente, feito com capricho e cheio de nuances. Os personagens são bem trabalhados e fogem do lugar comum. Como exemplo, Jeff Bridges (Noah, pai de Jeliza) fica quase todo o filme no papel de homem-múmia, o que não o diferencia muito do seu estado anterior de homem dopado. É, enfim, um filme altamente recomendável, mas talvez não para toda a família. Pra quem gosta (e suporta) ver Gilliam em plena forma, aí está uma boa oportunidade.
Dizem ser o cinema uma arte pragmática. Eu ainda acredito que basta haver um homem com boas idéias e uma câmera na mão.
CARA CAROLINA ,
é webdesigner e estudante
de Artes Plásticas pelo
Unicentro Belas Artes
3 comentários:
Ótima resenha, vou ter que achar agora esse filme para ver... obrigado por escrevê-la! :)
"basta haver um homem com boas idéias e uma câmera na mão"
Ah sim, e uma boa quantia de dinheiro conseguida com a Filmagem de "Os Irmãos Grim!
Aliás, conseguir dinheiros com produções comerciais (de melhor ou pior qualidade, "Duna"?: eca!) não é exclusividade dessa Dupla que você citou. Se bobear deve ser até uma tradição.
Lembro-me de outro diretor que seguiu a receita. Guilhermo Del Toro ganhou pencas de dinheiro (e crédito no mercado) depois de arrancar o Hellboy dos quadrinhos e colocar no cinema. Isso fez com que ele conseguisse Filmar o irmão rico de "Espinha do Diabo": "o Labirinto do Fauno!
E a estratégia em questão não é também exclusividade do cinema!
Temos é que agradecer por ter bastante gente que consumiu o lado "eca" (ou não eca, Hellboy, por exemplo, é um filme que eu gosto bastante) de bons criadores e deram dinheiro para que eles mostrasssem seus melhores lados!
e... paranão sair do assunto, Tideland é muito bom sim! Lamento que alguém por esse mundo a fora não "tenha entendido".
a resenha é melhor que o filme.
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