quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Breve pós-cobertura da 32º Mostra Internacional de Cinema de São Paulo

O momento já veio e já passou. Mas como a intenção aqui não é simplesmente dar o serviço, vamos ver o que podemos tirar de mais proveitoso da 32º Mostra Internacional de Cinema.

A Mostra, que já está em sua 32º edição, é um momento celebrado por muitos em São Paulo por diversos motivos. Para mim, o primeiro deles é bastante óbvio: por um curto período de tempo, filmes do mundo todo são trazidos para São Paulo. Isso mesmo, do mundo todo. São filmes que nunca chegarão aqui em outro momento e dificilmente você verá circulando novamente. Além destes, há os filmes que estrearão no circuito mais a frente. Para os mais ávidos, esta é a oportunidade de vê-los antes de todo mundo.

Depois de uma maratona de encaixes, filas e mais filas e correrias, consegui ver alguns dos filmes que queria. Destaco primeiramente os que trazem algo que dialoga com alguns interesses do Fabulário e outras minhas: o não-óbvio, fronteiriço, "os mares nunca dantes navegados" (se é que isso pode existir) do fantástico. Vamos a eles:


Fronteira da Alvorada, de Philippe GarrelA Fronteira da Alvorada: o cineasta francês Philippe Garrel faz um filme de muitas faces, em que se destacam as referências à nouvelle vague e ao expressionismo alemão, trazendo também o elemento fantástico. O protagonista François é um fotógrafo que se apaixona por uma atriz com rosto de quase-diva, Carole. O relacionamento dos dois acaba não dando lá muito certo e a mocinha vai parar num manicômio. Após este momento, o filme parece tomar outros rumos. Um tanto perturbado, François se vê de frente a um acontecimento sobrenatural, sofrendo assim de um sentimento Todoroviano:
a hesitação experimentada por um ser que só conhece as leis naturais, face a um acontecimento aparentemente sobrenatural". Interessante observar que, embora peculiares, os momentos fantásticos - que beiram o delírio, mas ao final revelam ao espectador sua autenticidade de forma quase alegórica - encaixam-se perfeitamente num roteiro predominantemente realista.

Palermo Shooting, do diretor Win WendersPalermo Shooting: O mais novo filme do alemão Win Wenders foi apontado pela crítica especializada como sendo também o pior. De Wenders entendo muito pouco, mas de fato os clichês estão lá, a olho nu. Porém, trazer como referência tão direta os filmes Depois daquele Beijo, de Antonini e o Sétimo Selo, de Bergman é algo no mínimo curioso. Mais curioso que isto é o fato deste filme, assim como o Fronteira da Alvorada, ter como protagonista um fotógrafo. Finn - muito bem sucedido na sua carreira internacional no mundo das artes e da moda - após passar por uma experiência de quase-morte, viaja para Palermo, onde passa a ser perseguido por um misterioso atirador de flechas. Em Depois daquele Beijo o protagonista do filme é um fotógrafo e a fotografia, a "essência do trabalho" nas palavras de Wenders, é o assunto. Em O Sétimo Selo, o protagonista joga xadrez com a morte, que mesmo perdendo o jogo, continua a persegui-lo. Segundo Wenders, a preocupação com a passagem do tempo, a chegada da velhice e, conseqüentemente, o encontro com a morte é o maior tabu no cinema e que talvez, pela temática "ofensiva", o filme tenha sido tão criticado em Cannes. O encontro do protagonista com a morte é um tanto didático, mas representa também um claro acerto de contas.

Duska, de Jos StelingDuska: Jos Steling é conhecido por trazer a tona personagens atípicos, silenciosos, à parte do mundo, como em O Holandês Voador. Neste, o diretor holandês nos faz enfrentar o irritante Duska, um homem atrapalhado (e folgado) que só vem empacar a vida de outro homem (também um tanto atrapalhado), crítico de cinema solitário. Duska é um personagem que está no território do estranho. As ações e escolhas dele e de seu anfitrião (Duska se instala na casa do pobre crítico) não podem ser explicadas pela lógica comum. Não chegam a beirar o absurdo, mas ainda estão longe do real. O filme se move nos silêncios. E o final é esquisitíssimo. Conclusão: se houver a oportunidade de ver, não perca.

Festa da Menina Morta, estréia de Mateus Nachtergaele na direçãoA Festa da Menina Morta: o filme marca a estréia como diretor e roteirista do brasileiro Matheus Nachtergaele, já reconhecido ator de teatro e cinema. Numa comunidade ribeirinha do Amazonas ocorre a Festa da Menina Morta, evento religioso que relembra um suposto milagre ocorrido à 20 anos atrás com o protagonista Santinho. Esta história, porém, se revela aos poucos e não chega a se completar com clareza. O filme segue cercado nesta atmosfera de crendice e certo naturalismo exacerbado, até que a fronteira entre o real, a alucinação e o fantástico se nubla num dos momentos mais ricos do filme. Longe de ser uma crítica a religiosidade brasileira, o filme fica na fronteira entre o retrato fiel e o olhar direcionado. Como jé era esperado, confrontos morais e ousadia no uso da linguagem do cinema pedem um espectador atento, sem pressa - e nem vontade - de chegar a vereditos.


Vi outros filmes especialmente bons nesta mostra que também valem ser lembrados:

Vicky Cristina Barcelona, o acerto de Woody AllenVicky Christina Barcelona: novo filme de Woody Allen conta (literalmente) a história de duas amigas que vão tirar férias em Barcelona. Lá conhecem um clássico latino caliente que, por alguns instantes, parece mudar os rumos da vida de ambas, embora a entonação de voz de um narrador oculto permaneça igualmente sóbria e indiferente. O filme tem um sintonia finíssima e mostra que depois dos insossos Macht Point e Scoop, Woody Allen chegou lá.

Cinzas do Passado Redux, de Wong Kar WayCinzas do Passado Redux: filme remontado, refinalizado graficamente e reduzido do original de 1995 de Wong Kar-Wai. Com enredo fragmentado e intrincado, o filme narra um ano da vida de um misterioso espadachim que vai morar no deserto após a mulher que ele amava ter se casado com seu irmão. Outros personagens igualmente misteriosos vão se somando à história, tendo sempre como ponto em comum alguma relação com este primeiro personagem: um homem e uma mulher que dividem um mesmo corpo; um espadachim quase cego que deseja voltar a sua terra natal; um homem que, após tomar um vinho mágico, perde a memória. Ao desenrolar da história, as peças vão se encaixando e o espectador percebe que o enredo, aparentemente simples, possui muitas faces e arestas.

CARA CAROLINA ,
é webdesigner e estudante
de Artes Plásticas pelo
Unicentro Belas Artes

2 comentários:

Anônimo disse...

Nossa, discordo completamente do adjetivo "insosso" para o Match Point...

Morri de inveja que vocês paulistas puderam assistir esse Ashes of Time Redux. É o único filme que não vi do Wong Kar Wai. Sou muito fã do cinema dele, especialmente da bilogia Anjos Caídos-Amores Expressos.

Paula Carolina disse...

Oi Antônio!

Pois é... não vou com a cara destes dois filmes. Não vi o Sonho de Cassandra, mas mesmo assim suponho que deve ser como os dois anteriores. Vicky me pareceu um bom retorno ao humor. Macht Point soa como incursão mal fadada ao universo temático do Fitzgerald. Uma lástima. Mas ainda espero ser convencida que os filmes dessa fase dramática não são de fato tão dramáticos assim.

E quanto ao Ashes, foi o primeiro filme do Wong Kar Wai que eu vi, o que é quase um pecado, mas pretendo me redimir vendo muitos outros.