terça-feira, 1 de junho de 2010

O Personagem Pensa? Parte 2


Nesta semana o segundo tempo da discussão "O personagem Pensa?"
Já chamamos para nossa roda Umberto Eco e Descartes, além de outros autores e livros que citamos como exemplos dos personagem pensantes.
Na primeira parte da discussão os membros (eu:Diogo) e Rafael, demos argumentos para afirmar que o personagem pensa, baseando sobretudo na questão da verossimilhança, que é necessária em um texto para imergir o leitor.

O juiz apita, jogando tais palavras em campo : Realidade, Verdade, Verossimilhança e Existência.

Percebemos que começamos a discussão burlando de antemão a via do raciocino lógico.

Deixamos todo o papo filosófico de lado e refizemos a pergunta: O personagem pensa?

E a resposta mais lógica é:
Ele não pensa, ele nem existe!

Pronto, poderíamos ter encerrado a discussão por aqui e ido ler um livro.
Alguns se deram por satisfeitos e se foram.
Maaas... as palavras estavam lá prontas para se filosofar... não resistimos.

Os personagens não existem, são representações, assim como uma narrativa é a representação, nunca a coisa em si. Então o que podemos dizer da verdade ou da mentira em uma narrativa?
A verdade, como aprendemos com a história, depende sempre do ponto de vista de quem a conta.
E a verossimilhança, é ingrediente principal de uma narrativa? já que estamos falando de representação, por que não esquecer do padrão de real e criar livres?

Rafael (Rato):

Entendo seu ponto quanto a verossimilhança, principalmente a questão linguística presente aí. Em geral, concordo com esse argumento quanto a verdade e quanto a ter "cara" de verdade. Difícil ver uma possibilidade de extirpar essa parte de nós, a parte que busca a verdade e não, digamos, a mentira. A verossimilhança aparece como a mediação entre verdade e mentira, a demonstração que verdade é um valor, pois passa a dar valor de verdade a mentiras.

Adentramos no inóspito território do valor.

Bom, temos nossos olhos. A partir deles construimos as medidas que nos vão dar o sentido de verdadeiro ou falso, contudo nossos olhos já são um resultado. Não partimos de uma "tabula rasa" mas somos construídos a partir de uma série de noções providas socialmente. Procuramos na "realidade", que é nosso olhar, a base para a produção desse valor.

Deste modo, se represento a dor da perda, quem tomar contato com essa representação deverá conhecer esse sentimento, para então conseguir apreende-lo, ou seja, para dar valor de verdade a ele. Caso seja a representação de um sentimento, ou de algo que suporte apenas "sim" e não", então temos como resultado um valor de verdade. No caso de representar algo mais "concreto", como um homem, podemos ter o valor de verossimilhança, pois é possível atrelar o verdadeiro a algo que seja falso.

A importância do nosso olhar é que ele mesmo já é representação da realidade (nós não temos acesso a realidade mesma), assim a produção artística passa a ser um bigode numa mona lisa que chamamos realidade, mas que já é interpretação.

Retomo o pensamento de David Hume, o qual questiona a verdade do principio de causalidade... Ao vermos algo ocorrendo, como ao jogarmos uma maçã da janela, podemos afirmar sem dúvida que aquela maçã caiu da janela, mas não que a próxima maçã que jogarmos fará o mesmo. Assim nos habituamos a crer que o que acontece sempre continuará acontecendo sempre... Como ao vermos o pensamento sempre ligado ao Eu.

Por isso, que disse desde o início que o personagem pensa e que o problema maior é a realidade, a realidade do personagem (se ele existe) e a realidade do artista (se ele existe), que o pensamento existe é algo difícil de refutar... Assim, o pensamento do personagem existindo o faz tão real quanto eu, o Álvaro de Campos, vocês ou o Fernando Pessoa.
Voltemos com o Umberto...
Eco, tem mais alguns comentários?


Umberto (Eco):

Sobre o modelo de verdade afirmado em textos literários :
"Para muitos, essas coisas poderão parecer obviedades, mas tais obviedades (muitas vezes esquecidas) confirmam o mundo da literatura como inspirador da fé na existência de certas proposições que não podem ser postas em dúvida, com o que ele oferece um modelo de verdade, ainda que imaginário."

Sobre tomar um personagem literário como representação, ponto de referencia, uma verdade :
"Mas certos personagens literários, não todos, acabam saindo do texto em que nasceram e migrando para uma região do universo muito difícil de delimitar."

"Fazemos investimentos afetivos individuais em muitas fantasias que criamos nos nossos devaneios. Podemos realmente nos comover pensando na morte de uma pessoa amada, ou ter sensações físicas ao imaginar um contato erótico com essa pessoa"

"Teríamos então de encontrar a região do universo em que esses personagens vivem e determinam nosso comportamento, tanto que os tomamos como modelo de vida, própria e alheia, e entendemos muito bem quando se diz que alguém sofre de complexo de Édipo, tem uma fome de Pantagruel, um comportamento quixotesco, os ciúmes de um Otelo, uma dúvida hamletiana ou é um don Juan incorrigível."

Com esses trechos de Eco damos fim ao segundo tempo, o juiz marca a prorrogação. No proximos post o deradeiro (será o fim mesmo?) resultado da discussão "O Personagem Pensa?"

9 comentários:

Q. disse...

Há aqueles (sobre os personagens) que se emancipam do escritor e saltam para fora; e há os títeres mancos: pedaços toscos de qualquer-coisa.

A questão escorrega no meio de tantas citações tuberculosas: pensar ou não-pensar, ser ou não-ser deixam escapar o essencial: a mímeses selada do infinito: a realidade derramada no "jardim de caminhos que se bifurcam".

(E o Sr. Rafael se mostra um belo dum metafísico quando "nós não temos acesso a realidade mesma". Fale por você, rapagão, que com a minha eu escorrego pelas escadas.)

Rafael "Rato" de Castro disse...

Senhor Q.
Sua questão só faz sentido, se esquecer que a discussão é aporética, isto é, não tem uma finalidade a ser atingida, mas caminha por onde é possível enquanto relaciona.

Diogo (Nógue) Nogueira disse...

Eu particularmente adoro a Metafísica.

E de fato a questão escorrega entre tantas argumentações, e poderia evaporar se não estivesse digitada nessa postagem.
Não sei se deixamos escapar o essencial, já que o essencial para nós é a discussão do tema (como o Rafael comentou)
Por outro lado é impossível agarrar o infinito não é mesmo?

Podemos pegar o exemplo de escorregar pela escada como prova de que não temos acesso a própria realidade.
Cair na rua, escorregar de escadas, são falhas da nossa percepção do ambiente, dos nossos filtros sobre o espaço em que convivemos.
você escorrega na escada não porque a escada se moveu, mas porque você acreditou existir um degrau onde não existia.

Q. disse...

Sim, sim. Desse embalo hipnotizante, desse sibilo que embriaga: as curvas da odalisca confundidas no chilrear... That is the question, Horacio.

A metafísica, ah!, a metafísica. Ela é bonita e desinfectante e eu guardo com ternura na minha caixinha de perfumes. Mas, por favor, não me critiquem pelo meu mau cheiro, por favor.

Diogo (Nógue) Nogueira disse...

hahah estamos sempre abertos ao dialogo :D

valeu pelos comentários. abraço!
Senhor ou Senhora Q

Rafael "Rato" de Castro disse...

To be or not to be...

Existência ou produção de vida. É... encarar a o mundo como inexistente parece um tipo de escorregão, mas julgamos a importancia disso com nossos valores e alguns vêem na dor a explicação ultima para a realidade. Melhor deixar os masoquistas na sua sofrida existência e, como faria Pirro, não cair no precipício.

Q. disse...

"Todo aquele, pois, que escuta estas minhas palavras, e as pratica, assemelhá-lo-ei ao homem prudente, que edificou a sua casa sobre a rocha; E desceu a chuva, e correram rios, e assopraram ventos, e combateram aquela casa, e não caiu, porque estava edificada sobre a rocha. E aquele que ouve estas minhas palavras, e não as cumpre, compará-lo-ei ao homem insensato, que edificou a sua casa sobre a areia; E desceu a chuva, e correram rios, e assopraram ventos, e combateram aquela casa, e caiu, e foi grande a sua queda."

edu disse...

ahhahhahahhahha.... isso me faz concegas...ehehe.... durma criança, durma...ehehhehehhehehe


A unica verdade das coisas é elas não terem verdade nenhuma, quem está ao sol e fecha aso olhos começa a parar de ver o sol e começa a pensar em coisas quentes, mas quando abre vê o sol, puro e erradiante (parafraseando o caieiro), infelizmente não podemos ser como o guardador de rebanhos e renegarmos o nosso pensamento, a constituição hermeneútica de mundo se compraz na imcompletude com a qual nós não somos dele e aos mesmo tempo somos, para além de uma metafísica a constituição discursiva, não é metafisica, mas está no mundo, compre o fato da impossibilidade de concebermos um conhecimento real, mesmo com toda a nossa vontade, aceitar isso é perceber que existem outras formas de ver o mundo, e com isso a constituição do respeito e a fundamentações mais abstratas tais como ética, economia e sociedade; as criações que fazemos possibilitam a nossa vivência, e sua desnaturalização já é premente em Kant na crítica da razão pura, reconhcer que somos seres imcompletos em que não conseguimos agir nescessariamente sobre o real ou memso tangencia-lo, não é construir um uma casa em areia, muito menos em rocha, pois como todos sabemos a rocha é escorregadia e não da sustenção nenhuma se não para ela mesma, para tanto, prefiro construir minha casa no chão de terra com fundações, nas quais eu realmente sei de onde vem, e qual é sua durabilidade, ao rés-do-chão é muito melhor do que viajar em algo duro rigido e que não consegue sustentar mais ninguém senão a si mesmo...

Q. disse...

é ao dormir que as mãos cadavéricas fazem do berço um navio na tempestade, e não há chão incólume que alivie a náusea.