sábado, 15 de agosto de 2009

Iberê Camargo, O Duplo.



Iberê Camargo (1914 -1994) foi um pintor e gravurista brasileiro de grande importância na arte moderna. Para saber mais sobre o artista visite o site do Instituto Iberê Camargo.
Sua carreia e reconhecimento é de dar inveja a muitos artistas, mas este post tem como foco um outro lado do pintor: a escrita.
Além de artista, Iberê também lecionou e chegou a Doutor em sua carreira acadêmica, publicando artigos, livros sobre gravura e também um livro de contos "No Andar do Tempo: 9 contos e um esboço autobiográfico" em 1988, posteriormente em 1998 (quatro anos após sua morte) foi lançado seu segundo livro de contos, ou melhor : sua autobiografia, intitulada "Gaveta dos Guardados" (parte deste disponível no Google Books).

Iberê era um amante da literatura, e escrever era parte da sua vida, assim como sua vida sempre fez parte de suas obras. Nas diferentes fases de sua pintura ou na gravura, existia a busca de apreender memórias e sensações de seu passado.
Um grande responsável por uma nova mudança em suas pinturas foi o incidente no inicio da década de 80, quando Iberê mata a tiros um homem que o agrediu. Este episódio modificou sua pintura e sua vida. um peso que o artista carregou até sua morte.

Esses e outros episódios de sua vida são relatados em "Gaveta dos Guardados" como pequenos contos ou textos soltos.
"Gaveta..." é um misto de memória e ficção, e algumas vezes não é possível saber quando começa um e termina o outro.
A narrativa de Iberê nos leva a outro mundo, sua escrita enriquece seus momentos trazendo uma magia e uma sedução que só as lembranças do passado possuem.
Mais que uma biografia, "Gaveta dos guardados" também é um livro sobre pintura, contos e sobre a vida.

O conto que se segue tem uma estranha natureza, pois ao mesmo tempo em que possui uma aura de ficção, também é uma memória. Seus elementos principais já serviram de inspiração a outros escritores: de Edgar Allan Poe a Jorge Luis Borges.
Porém, justamente por ser um livro autobiográfico e pelo conto em questão ser tratado como uma memória de Iberê, este ganha uma estranha aura.
Podemos enxergá-lo como uma metáfora, ou apenas um recurso para dar corpo a uma idéia, aceita-lo como verdade não é a questão, mas sim apreciar este pequeno relato como um dos diamantes mais preciosos de uma vida.


O Duplo

Sentado num dos primeiros bancos do ônibus número 15, Praça São Salvador - Rio Comprido, vejo surpreso, e logo com crescente espanto, minha imagem refletida no retrovisor, com traje e movimentos que não são meus. Para afastar a possíblilidade de uma alucinação, faço, como prova, exaustivos gestos propositadamente exagerados, que a imagem refletida não repete.
__ Um sósia? Mas esse é semelhante, jamais idéntico.
Meu desassossego, meu espanto crescem.
O outro, com roupa e movimentos diferentes, permanece tranquilo, impassível, alheio à minha presença e parece nem se importar em ser réplica.
__ Ele não me terá visto? Impossível, estamos próximos. Ele talvez ocupe um assento a minha frente. Não sei.
A Ideia do indivíduo de ser dois apavora.
Já agora preso de um terror incontrolável, Sôo a campainha do coletivo e desço precipitado, sem olhar para trás, sem sequer ousar localizá-lo : falta-me coragem para ver o outro que vive fora de mim.


DIOGO NOGUEIRA ,
é Designer Gráfico e ilustrador,
estudante de Artes Pláticas
no Unicentro Belas Artes

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